Treino duro e treino suave

Texto muito interessante de Sensei Santos, de Brasília, que fala muito sobre formas de treino e visões diferentes do nosso mesmo aikido. Que na verdade se complementam.
Muitas vezes alunos ou instrutores novos tem uma visão muito fragmentada e parcial, preferindo uma ou outra forma de treino, o que não é errado em si, mas agindo como se as outras formas fossem erradas ou menos evoluídas. O que gosta do treino mais vigoroso, critica o treino suave, normalmente alertando para sua “pouca eficacia”. Muitas vezes, mesmo que tecnicamente veja haja um trabalho avançado de desenvolvimento da arte, daquele que ele observa treinando suavemente. Coloca afirmações que dão a entender que aquilo para nada serve.
Por outro lado, aquele que gosta de treino suave, critica o treino mais forte, normalmente falando algo como, “…eu não treino assim, pois evoluí.” ou  “alcancei uma nova visão…” ou ainda: “… minha busca é mais nos aspectos evoluídos do aikido…” e outras coisas semelhantes. Nestas afirmações está talvez o primeiro sinal do contrário. Não caminhou  suficiente dentro da arte para perceber o quanto também está limitado em sua visão.
Evidente, como toda arte marcial, que existem treinos ruins. Tentam mostrar algo vigoroso e que é bruto, mal acabado, e sem técnica apurada. Outro treina suavemente, sem eficacia no objetivo que se propõe, apenas fazendo uma caricatura de um verdadeiro treino suave, mas de qualidade técnica duvidosa. A resposta de novo está nas técnicas básicas e na qualidade e dedicação aos treinos, independentemente das formas de treino que se adote. Mas acredito que treinar sempre só de uma forma ou outra, seja o maior perigo para se deteriorar o seu aikido. Imagine se você só treina-se Irimi nague, por que só gosta dele, e abandona-se o shiro nague por que não gosta?   Já discorri muito aqui. Depois faço um texto meu a partir desta ideia. 

Vamos ao texto do Sensei(os pontos grifados são meus):

Treino duro e treino suave

Dos Santos (AIZEN Brasilia)

Sempre após a visita de instrutores japoneses ou intercâmbio de alunos estrangeiros, tem-se agitado a controvérsia entre o método de se ensinar Aikido.

Professores de renome se pronunciam, antagonicamente, em relação aos métodos de uns e outros.

Por exemplo, na Suécia, Holanda, se opta pelo treino suave e lento.

No Reino Unido ocorre o mesmo. Já nuchid4a Irlanda, há tendência de seguir uma linha mais dura e propensa a sobrevivência em situações reais.

Nos Estados Unidos há duas tendências, ou correntes. Em uma se deve seguir a linha do ki e fluir. Noutra , estão os que afirmam que se deve seguir a maneira dura e rápida de Shioda-Sensei, Saito-Sensei , etc.

Para alguns instrutores o método de treinamento parece estar vinculado ao meio ambiente social em que está imerso, o local, a região.

Será mesmo ?

Esta aparente contradição entre o método a ser adotado confunde o público sobre qual a abordagem correta.

Todavia, tanto estilo duro ou o suave tem algo a oferecer aos praticantes. Tudo depende do que cada pessoa quer da arte.

No Japão, nas demonstrações dos mestres Saito-Sensei , Shioda-Sensei, e outros, as técnicas são aplicadas rapidamente e raramente são brandas.

Nos dojos desses mestres o aluno que não consegue aprender logo a complexidade dos movimentos e rolamentos, se afasta desapontado.

Essa‚ é a maneira considerada “tradicional”.

As técnicas funcionam porque o aluno sente a eficiência delas, dolorosamente, quase sempre.

A atmosfera reinante é de um combate real, é evidente, que o aluno estaria vivendo como um praticante dos tempos do Japão feudal na sua maneira de aperfeiçoar habilidades das quais dependeria sua vida e do oponente.

Realmente, uma prática que não deixa dúvidas ao aluno sobre a eficiência de uma determinada técnica.

Todavia, outros grandes mestres assumem a tendência de optarem por um método de ensino mais sutil, apoiando-se na idéia de que a execução de técnicas em ritmo mais lento e suave, leva a uma atmosfera menos tensa.

É a filosofia de dar mais valor as pessoas, do que ao desenvolvimento de uma habilidade de combate, a qual vir com o tempo e a prática, de qualquer maneira.

A questão crucial ‚ que o aluno ocidental quer ser eficiente, tanto quanto possível, no menor espaço de tempo.

A linha de pensamento de alguns sensei‚ a de que não há necessidade de se forçar para tornar-se uma máquina impiedosa de luta, se não estamos em guerra. Segundo esses professores, o que o mundo precisa hoje ‚ é de felicidade.

Daí , a atmosfera criada através de um treinamento agradável, aliado com a eficiência do ensino, seria o objetivo ideal a ser seguido, favorecendo uma compreensão detalhada do Aikido.

Essa questão ‚ é tão importante, que em alguns dojos , se um aluno assumisse uma atitude corporal de combate, ao executar uma técnica ele será repreendido e admoestado para relaxar o corpo.

Na verdade, na essência, as técnicas são as mesmas, o que muda ‚ é a maneira de transmiti-las.

É possível que a única desvantagem concreta, do estilo suave, é o aluno não se preparar emocionalmente para o combate real. Se ele levar um terrível soco ou chute na rua , pode cair em estado de choque ou pavor e então qualquer habilidade técnica ficar perdida.

Mas, também, quantas vezes na vida você precisou entrar em briga corporal com alguém na rua, não é mesmo ?

Além disso, o treino pode assumir características mistas, duro-rápido, duro-lento, suave-rápido, suave-lento.

TREINAMENTO DURO- É o treino de contato, que faz aparecer emoções que geralmente não são reconhecidas numa pessoa durante as atividades do dia a dia. Tais emoções podem ser, por exemplo, uma resposta ao ego humilhado, agressão , insegurança, temor, dor ou mesmo medo do fracasso. Conforme esses traços venham a tona, no ambiente controlado do dojo, o aluno experimenta um fortalecimento do caráter e uma confiança mais solidamente fundamentada na sua capacidade de autodefesa.

TREINAMENTO SUAVE- trata-se de um treinamento que promove a apreciação dos princípios mais sutis da arte, aguçando uma sensibilidade mais apurada no aluno , que tem a oportunidade de perceber como e porque as técnicas funcionam ( sem a preocupação do esforço muscular), através de uma maneira menos opressiva, o que concorre para melhorar acentuadamente o desempenho das técnicas.

TREINAMENTO RÁPIDO- é um treinamento de velocidade que , geralmente, se desenvolve paralelamente ao treinamento duro. Visa despertar o aluno para as falhas de desempenho sob pressão. Sob intenso e rápido assalto de ataque sucessivos, normalmente há um declínio no grau de eficiência das respostas apropriadas de defesa devido ao pânico emocional que se instala. A mira , o equilíbrio e vivacidade ficam prejudicados, principalmente nos iniciantes.

Contudo , familiarizados com essa espécie de ritmo, os alunos vão adquirindo autocontrole; a eficiência melhora; e as técnicas afloram mais rapidamente e com maior segurança. O treinamento rápido ‚ um instrumento valioso para desenvolver a autoconfiança para confrontos de rua.

TREINAMENTO LENTO- é um complemento do treinamento suave, provendo um ambiente físico e psíquico seguro para aperfeiçoar a técnica. Isso porque não há ameaça de golpe que possa causar dano verdadeiro, o que permite ao aluno relaxar emocionalmente e compreender o método de combate transmitido.

CONCLUSÃO

Face ao exposto fácil concluir que tanto a escola dura quanto a suave estão corretas na sua maneira de transmissão do AIKIDO.

Da direita para esquerda: Sensei Santos, Sensei Nakatami e Sense Martins. Foto de 2011 quando o Sensei Martins recebia seu 6o dan.
Da direita para esquerda: Sensei Santos, Sensei Nakatami e Sense Martins. Foto de 2011 quando o Sensei Martins recebia seu 6o dan.

Mestre Santos, 70, pratica Aikido desde 1973, iniciou com o prof. Martins (Brasilia), sob a supervisão do sensei Teruo Nakatani. Durante mais de 30 anos foi seguidor do Prof. Shikanai. Já realizou dois estágios, em Tóquio, no Kobayashi-dojo, um deles como aluno residente. É faixa preta 5o.Dan (godan) pela Hombu  Dojo de Tóquio, Japão. Já treinou Aikido em Los Angeles, Lisboa, Buenos Aires, etc. Participa ativamente de Seminarios Nacionais e Internacionais. Também pratica Iaido (ZNKR) e Kenjutsu (Shinto Muso e Katori Shinto Ryu). Autor  do livro “Zen-Budo, um caminho”, em parceria com Mario Coutinho Junior. É o mais experiente e veterano professor de Aikido, em atividade no Aikido, em Brasilia.