Ukiyoe

O lugar respeitável do Ukiyoe na História da Arte

Artigo de Naito Masato, Professor Associado da Universidade de Keio

Ukiyoe: Uma janela para a cultura massificada na antiga Edo

Ukiyoe, gravura japonesa em blocos de madeira, é desenvolvida na era Edo (1603-1867) quando o Japão esteve praticamente fechado ao mundo exterior. Deste os primeiros dias, o governo feudal do Shogunato em Edo (actualmente Tóquio) exerceu duas políticas rígidas: a proibição do Cristianismo e o isolamento do país. O comércio externo e o transporte internacional eram restritos à Coreia, China e Holanda. Uma vez que as influências externas entravam em poucos lugares e portos, a cultura japonesa cresceu num ambiente “hermeticamente fechado”.

Este foi um tempo em que a expressão “ arte pela arte” teve pouco significado no Japão. Até cerca do final do período Edo os artistas faziam sobretudo os seus trabalhos na capital Imperial em Kyoto, onde as tradições culturais permaneciam fortes, se bem que os seus trabalhos tinham a tendência de serem vendidos na crescente metrópole de Edo. Contudo, Edo tinha a sua própria forma artística de que certamente se orgulhava: ukiyoe gravuras em blocos de madeira que de forma exuberante retratavam o quotidiano das pessoas comuns e seus costumes. Este género difundiu-se grandemente na forma de gravuras, ilustrações de livros e pinturas.

A palavra ukiyoe é escrita em três caracteres: 浮(flutuante), 世(mundo) e 絵(imagens). A palavra tornou-se comum na primeira metade do período Edo. Se bem que ukiyo é frequentemente traduzido como “mundo flutuante”, o significado aproxima-se mais de “o mundo num instante de tempo”. E de facto as imagens descreviam aquele tempo.

Ukiyoe foi primeiramente produzido na metade do século XVII e fez furor na metrópole de Edo que crescia de forma rápida. Hishikawa Moronobu (1618-1694) e os seus seguidores foram pioneiros do género e parte das suas obras de arte retrataram mulheres que não pertencendo à alta sociedade eram bonitas, enquanto outros pintavam os actores de kabuki, o dia-a-dia das pessoas e até cenas de novelas populares. A nova forma de arte atraiu imensamente as pessoas comuns. A cultura tradicional da velha capital em Kyoto foi desafiada pelas gravuras recentes que mostravam as cenas da vida moderna, representando a nova consciência social de Edo. Ukiyoe permaneceu durante um longo tempo como um importante género, se bem que estamos mais familiarizados com os trabalhos posteriores, mais elaborados e com imagens de relevo de múltiplas cores, da autoria de grandes artistas que estiveram activos durante e depois da segunda metade do século XVIII. A perspectiva que temos do ukiyoe tende a estar baseada nas obras deles.

Algumas gravuras ukiyoe foram exportadas para fora do país onde suscitaram grande interesse funcionando como uma janela aberta à cultura do misterioso arquipélago do Extremo Oriente. De acordo com um registo antigo, algumas obras do Kitagawa Utamaro (1753-1806) foram exportadas para a China. Algumas gravuras ukiyoe chegaram mesmo até aos Estados Unidos da América, levadas como lembranças por um barco americano que conseguiu chegar a Nagasaki, fingindo ser um navio holandês de modo a iludir a política de isolamento do Shogunato. As referidas gravuras foram identificadas como sendo dessa altura. Outras gravuras ukiyoe fizeram outros percursos fora do país por diferentes canais: o chefe da casa de comércio holandesa pediu a um artista que desenhava no estilo de Katsushika Hokusai (1760-1849) para retratar cenas da vida no Japão e o médico do exército alemão Philipp Franz von Siebold, que chegou ao Japão na mesma altura, solicitou os desenhos e gravuras de trabalhos semelhantes. As gravuras que estes dois homens levaram para a Europa permanecem até hoje na Holanda e França.

Isto indica que os estrangeiros tendem a apreciar ukiyoe não como arte mas como trabalhos que mostram os costumes e o mundo natural do Japão que era longínquo e fechado ao mundo exterior. Levou muitos anos até que as pessoas dos outros países começassem a ver estes trabalhos como verdadeira arte.

 

O poder do ukiyoe nas correntes artísticas

A Exposição Internacional de Paris de 1867, que teve lugar no último ano do período Edo, foi a primeira feira mundial em que o Japão participou. As exibições japonesas incluíram ukioyoe (gravuras com relevo, ilustrações e livros sobre arte). Tal permitiu que os Europeus pudessem ter contacto com as gravuras japonesas em blocos de madeira o que influenciou alguns movimentos artísticos no Ocidente que surgiram depois.

Alguns ocidentais, incluindo o prestigiado crítico francês e autor de contos, Edmond Louis Antoine de Goncourt, obtiveram exemplares de ukiyoe antes da exposição de Paris de 1867. O que viram foram gravuras relativamente recentes do tempo de Hokusai e Hiroshige. Mas no início de 1880, os primeiros artistas como Utamaro e Torii Kiyonaga (1752-1815) despertaram interesse no Ocidente. Rapidamente houve uma grande procura pelo ukiyoe nas lojas que surgiam em Paris para fornecer os coleccionadores e artistas.

Consecutivamente a moda do ukiyoe percorre a Europa tendo a França permanecido como o centro deste movimento.

Por volta da mesma altura, os impressionistas e os que lhes seguiram os passos começaram a desafiar as ideias artísticas veiculadas pela Académie des beaux-arts. Sob a influência das gravuras japonesas, reproduziram em alguns dos seus trabalhos o estilo de composição do ukiyoe, as cores vivas e traços simples e soltos. Degas, Monet, Van Gogh e Gauguin foram alguns dos artistas que por vezes mostraram afinidade com os antigos mestres de xilogravura no Japão. O exemplo mais óbvio é Van Gogh, que usou tintas de óleo para copiar algumas das gravuras de Hiroshige. Van Gogh era um coleccionador de ukiyoe e, para ele, a ausência de sombras e o carácter bidimensional das imagens de múltiplas cores da xilogravura deu-lhe uma clareza nítida. Tudo indica que de forma equivocada assumiu que tal facto se devia à forte e brilhante luz no Japão, o que o levou a dar importância ao Sul da França acreditando que ali as condições em termos de luz eram semelhantes.

Ukiyoe desenvolveu-se no período Edo tendo o mesmo finalizado numa época em que a Europa e o Japão se encantaram com as diferenças nas suas culturas. As gravuras foram um excelente meio para os Europeus experimentarem esse fascínio. As gravuras ukiyoe fizeram parte de uma sub-cultura e os seu “genes” continuaram numa nova sub-cultura composta pela banda desenhada e manga japonesas atraindo pessoas em todo o mundo hoje. Poderia até já ser algo inevitável nesta transição do antigo para o moderno.

Nas séries, executadas por Hiroshige nos seus últimos anos, é característico o realce na composição da pintura.

Ukioye para além fronteiras

Mesmo antes do ukioye ser produzido, os japoneses apreciavam as imagens que retratavam o quotidiano. Este tipo de arte foi padronizado pela classe aristocrática o que pode explicar a razão pela qual algumas gravuras ukiyoe suscitaram interesse por parte da Família Imperial em Kyoto, por parte dos Shoguns em Edo e dos daimyos (senhores feudais) por todo o país.

Algumas gravuras ukiyoe foram exportadas para fora do país onde suscitaram grande interesse funcionando como uma janela aberta à cultura do misterioso arquipélago do Extremo Oriente. De acordo com um registo antigo, algumas obras do Kitagawa Utamaro (1753-1806) foram exportadas para a China. Algumas gravuras ukiyoe chegaram mesmo até aos Estados Unidos da América, levadas como lembranças por um barco americano que conseguiu chegar a Nagasaki, fingindo ser um navio holandês de modo a iludir a política de isolamento do Shogunato. As referidas gravuras foram identificadas como sendo dessa altura. Outras gravuras ukiyoe fizeram outros percursos fora do país por diferentes canais: o chefe da casa de comércio holandesa pediu a um artista que desenhava no estilo de Katsushika Hokusai (1760-1849) para retratar cenas da vida no Japão e o médico do exército alemão Philipp Franz von Siebold, que chegou ao Japão na mesma altura, solicitou os desenhos e gravuras de trabalhos semelhantes. As gravuras que estes dois homens levaram para a Europa permanecem até hoje na Holanda e França.

Isto indica que os estrangeiros tendem a apreciar ukiyoe não como arte mas como trabalhos que mostram os costumes e o mundo natural do Japão que era longínquo e fechado ao mundo exterior. Levou muitos anos até que as pessoas dos outros países começassem a ver estes trabalhos como verdadeira arte.

O poder do ukiyoe nas correntes artísticas

A Exposição Internacional de Paris de 1867, que teve lugar no último ano do período Edo, foi a primeira feira mundial em que o Japão participou. As exibições japonesas incluíram ukioyoe (gravuras com relevo, ilustrações e livros sobre arte). Tal permitiu que os Europeus pudessem ter contacto com as gravuras japonesas em blocos de madeira o que influenciou alguns movimentos artísticos no Ocidente que surgiram depois.

Alguns ocidentais, incluindo o prestigiado crítico francês e autor de contos, Edmond Louis Antoine de Goncourt, obtiveram exemplares de ukiyoe antes da exposição de Paris de 1867. O que viram foram gravuras relativamente recentes do tempo de Hokusai e Hiroshige. Mas no início de 1880, os primeiros artistas como Utamaro e Torii Kiyonaga (1752-1815) despertaram interesse no Ocidente. Rapidamente houve uma grande procura pelo ukiyoe nas lojas que surgiam em Paris para fornecer os coleccionadores e artistas.

Consecutivamente a moda do ukiyoe percorre a Europa tendo a França permanecido como o centro deste movimento.

Por volta da mesma altura, os impressionistas e os que lhes seguiram os passos começaram a desafiar as ideias artísticas veiculadas pela Académie des beaux-arts. Sob a influência das gravuras japonesas, reproduziram em alguns dos seus trabalhos o estilo de composição do ukiyoe, as cores vivas e traços simples e soltos. Degas, Monet, Van Gogh e Gauguin foram alguns dos artistas que por vezes mostraram afinidade com os antigos mestres de xilogravura no Japão. O exemplo mais óbvio é Van Gogh, que usou tintas de óleo para copiar algumas das gravuras de Hiroshige. Van Gogh era um coleccionador de ukiyoe e, para ele, a ausência de sombras e o carácter bidimensional das imagens de múltiplas cores da xilogravura deu-lhe uma clareza nítida. Tudo indica que de forma equivocada assumiu que tal facto se devia à forte e brilhante luz no Japão, o que o levou a dar importância ao Sul da França acreditando que ali as condições em termos de luz eram semelhantes.

Ukiyoe desenvolveu-se no período Edo tendo o mesmo finalizado numa época em que a Europa e o Japão se encantaram com as diferenças nas suas culturas. As gravuras foram um excelente meio para os Europeus experimentarem esse fascínio. As gravuras ukiyoe fizeram parte de uma sub-cultura e os seu “genes” continuaram numa nova sub-cultura composta pela banda desenhada e manga japonesas atraindo pessoas em todo o mundo hoje. Poderia até já ser algo inevitável nesta transição do antigo para o moderno.

Japonaiserie : Pruniers en fleurs – Vicent Van Gogh

Gravuras japonesas fortemente influenciada Van Gogh. A cópia que fez de Kameido Ume Yashiki de Hiroshige foi pintada a óleo. Mais tarde, em Arles, ele acredita ter encontrado o equivalente perfeito da paisagem japonesa. Ele escreveu que ele não precisa mais de suas gravuras japonesas “porque eu só abro os olhos e nada de pintura que me faz sentir sobre mim”

Vincent copiou “flor de ameixa A” de Hiroshige e abril de 1889 por a imagem de um pomar em Arles, ele vai assumir os contornos pretos de troncos de árvore na tabela de Hiroshige
A mesa é decorada com um quadro pintado de cores vivas e decorado com personagens de caligrafia inspirado por gravuras japonesas, mas estas personagens são fruto da imaginação de Van Gogh.  (Fonte: Aflo)

Mikaeri Bijin-zu (“Mulher bonita olhando para trás”), de Hishikawa Moronobu. Moronobu enraizou a impressão xilográfica e também desenhou muitos nikuhitsu ukiyoe (pinturas à mão de estilo ukiyoe) como esta. Um exemplo de uma grande obra de arte. (Tokyo National Musuem; Imagem: TNM Image Archives)