O caminho, a vivência, o aperfeiçoamento

Durante muito tempo, a prática das artes marciais do caminho ( Kendo, Iaido, Aikido, etc) no Brasil estava restrita aos imigrantes e seus descendentes, dentro das colônias japonesas espalhadas por todo o país. A excessão vai por conta do Judo que muito se popularizou inclusive prática interessante para a formação das crianças. Embora todas as artes marciais tradicionais (tradicionais utilizo nesse caso para as artes marciais ,  ou escolas de determinada arte marcial, que possuem filosofia e podem ser verdadeiramente chamadas de arte marciais e não lutas. Isto é assunto para um outro texto…)
…..Me lembro dos meus antigos treinos de Karate e como os moldes antigos de treinamento eram severos e não poupavam aqueles que estavam fisicamente e mentalmente esgotados de ofensas e maus tratos infligidos pelos mestres e treinadores. Mas por trás deste cenário militarmente árduo estava a construção das bases que moldariam a força de vontade das novas gerações.
…..O país de origem destas artes marciais que vou focar, (vou deixar de lado por enquanto as outras de outras origens, mais por  falta de um conhecimento profundo. Prometo falar um pouco sobre elas no futuro), o Japão, é um país de tradição belicosa. Durante séculos, houve conflitos de diversas escalas configuraram mente e espírito deste povo. Desde a formação do império, as tentativas de invasão mongol e a era das guerras civis (Sengoku Jidai), os japoneses sempre tiveram a consciência de que seu país era pequeno e limitado em termos de recursos naturais. Quase insignificante perto de potências estrangeiras, tal como a imensa China continental. Essa noção de inferioridade territorial possivelmente fez com que percebessem que sem o mais árduo esforço em desenvolvimento, poderiam ser dominados a qualquer momento. Isto além de moldar esse instinto de preservação de seus domínios o incentivou a tentar buscar outros territórios, que originaram invazões a china e é a raiz de certa animosidade entre os povos da China e Japão até os dias de hoje. Sabe do que falo? Experimente chamar um chinês, de Japônes, e preste atenção na sua reação….

Método
…..    A necessidade de não descperdiçar recursos trouxe certas características interessantes ao povo Japonês. Não é por acidente que eles tem tanto sucesso na parte de gestão da qualidade e conseguem produção de produtos com qualidade duradoura e comprovada? Já teve um carro Honda? (Não estou ganhando nada da montadora infelizmentre, mas me apaixonei pelos carros dela desde quando começei a usar um. Existe hoje para mim dois carros: O carro Japônes e o que estou usando enquanto não compro outro Japonês.. rs rs. Se bem que os coreanos… Outro assunto para outro blog… ) Os japoneses são conhecidos no mundo todo por duas características principais: serem muito metódicos e decididos. Método e decisão são elementos básicos de processos administrativos e produtivos que visam contemplar e desmantelar um problema para, através da criatividade e/ou esgotamento de possibilidades, alcançar uma solução. Reflexo da necessidade de analisar muito bem os pormenores para não desperdiçar recursos valiosos.
Já o elemento decisão tem a ver com a certeza de que está no caminho certo, após muito ponderar. Isto tem uma lógica pois depois de muito insistir, estudar uma questão não sobra espaço para exitação que pode, quando há incerteza, produzir uma falha. Uma vez decidido, um japonês iria até o fim. Quem nunca ouviu falar que um japonês é “oito ou oitenta”?
…..Essa capacidade de síntese entre método e decisão, além de trabalho árduo levou seu país ao status de 2ª maior economia do mundo poucas décadas após uma destrutiva guerra. Mas qual é a origem de tal pensamento metódico e dessa sede de aperfeiçoamento?
…..Os treinamentos marciais japoneses levam em consideração tais elementos e por conseqüência, tornam-se ferramentas para o desenvolvimento espiritual do guerreiro/lutador/praticante. Abro um parêntese aqui para esclarecer sobre o emprego do termo “espiritual”: diferente do pensamento ocidental, onde espiritualidade está fortemente conectada com religiosidade, aqui o emprego da palavra se refere ao domínio da mente sobre as necessidades do corpo, utilizando-se da força de vontade interior para extrapolar limites físicos e disciplinar aspectos considerados negativos da personalidade humana, como preguiça, falta de perseverança e agressividade. Diz se que treinar o espírito é treinar a vontade de vencer.
Nesse aspecto existem alguns doutores da lei que, por não entenderem, muyito bem esse conceito acabam por envolver artea marcias, sobretudovemos isso no nosso aikido, com religiosidade.  O-Sensei, e outros professores com quem treinei aikido, eram da O-Omoto mas nunca foi exigencia para aprendizado do aikido ou qualquer arte marcial.
Keiko
…..Ao se tornar cada vez mais experiente em sua tarefa, os detalhes técnicos são amplamente estudados em sua forma mais básica, possibilitando ao corpo reagir com posturas e movimentos considerados corretos pela teoria da arte em questão. A partir desse ponto é que possivelmente perceber que a evolução é diretamente proporcional ao esforço investido no planejamento técnico e físico do treinamento. E sem dúvida, algo muda na mente deste praticante maduro.
…..Tornando-se graduado em sua arte, é possível perceber que existe uma forte confiança em sua força e sua técnica, que o leva reflexões cada vez mais profundas a respeito da natureza do conflito, da agressão e da defesa pessoal.
…..A violência e uma eventual fatalidade são consideradas contraproducentes. É interessante que, através do treinamento de técnicas violentas percebemos que é lamentável que uma situação vá até o ponto onde elas sejam necessárias. Parece que, somente onde falha a diplomacia é que o uso da força militar será necessária. E a falha da diplomacia é a falha do próprio treinamento, tanto valorizado. É claro +que, não é sóm por seu lado que voce controla a situação sem o uso das técnicas e em vinte tantos anos existiram situações extremas que o uso, primeiro do karate e depois do aikido, na sua forma marcial pura foi necessária.
…..Mas falando um pouco deste termo “caminho” utilizado no JuDO, KenDO, IAI-DO, Karate-DO, AikiDO. Todas essas artes carregam o sufixo que indica que são mais do que uma mera prática marcial voltada para o conflito. Suponho que uma boa adaptação do termo “caminho” seria “vivência” , pois a despeito de formulações históricas, tais artes podem ser consideradas meios de desenvolvimento físico e mental, onde o praticante está conectado a uma série de conceitos morais, éticos, filosóficos e até mesmo religiosos, que influenciariam seu modo de ser e pensar, pela vivência segundo tais princípios.
O Objetivo do Aikido Ganseki é disciplinar o caráter humano pela aplicação dos princípios Aiki
O propósito de se praticar Aikido é:
Moldar a mente e o corpo,
Para cultivar um espírito vigoroso,
E pelo treinamento rígido e correto,
Lutar para desenvolver-se na arte,
Obter respeito à cortesia e à honra,
Para relacionar-se com os outros com sinceridade,
E para sempre ter como objetivo o auto-aperfeiçoamento.
Pode se pensar que dessa maneira será possível uma pessoa amar seu país e sociedade, contribuir para o desenvolvimento da cultura e promover a paz e prosperidade entre todos os povos. No Tae Kwon Do, (um espaço para as artes coreadas aqui) por exemplo, isso é muito difundido e eles cantam Hino Nacional muitas vezes e tal.
…..Porém, muitos praticantes de artes marciais acabam por se tornar “mestres de si mesmos” ao se tornarem “teóricos marciais”, com conhecimento e discurso daquele que se considera esclarecido nesta complexa vivência, mas sem a carga de treinamento necessária para a real compreensão daquilo que se está falando. (Vai no Orkut que encontrará muito mestres. Me lembro de um famoso em 2 ou 3 comunidades de aikido que um dia vi em um seminário e tinha uma péssima técnica, tanto como tori, que como Uke. ) Mesmo o espírito estando aparentemente polido, o corpo pode não estar talhado suficiente para que haja real compreensão daquilo que a arte propõe. Estaria próximo da hipocrisia: muito se fala por discursos prontos e frases de efeito, pouco se faz ou se mostra. Infelizmente, no aikido por não ser uma arte competitiva dá margens a surgir os modelos de kimono: Desfilam com kimono bonito e hakama e só tem pose. Para isso basta colarem em um mestre ou professor menos criterioso, ou escrupuloso , e começarem a receberem graduações por adulação ou favorecimentos monetários.
…..Mesmo assim, é possível detectar uma mudança de comportamento no praticante de artes marciais, um tanto independente de qual seja. Fazer uma pessoa viver de acordo com princípios éticos, morais e afins geralmente foi papel da educação familiar, amparada pela orientação religiosa. E a possível falta destes valores na sociedade atual talvez se tenha criado um novo nicho para a arte marcial: a doutrinação espiritual, no sentido que falamos acima.

Mokuso – meditação
…..Todo praticante de arte marcial conhece alguém que pode ser considerado um fanático em sua arte. Aquele colega considerado “bitolado”, não necessariamente talentoso, que vive e respira os conceitos da arte e os exterioriza sempre que pode para aqueles que tem paciência para ouvi-lo. O treino torna-se o centro de sua suposta recém adquirida moral e seu instrutor se torna o ídolo máximo – geralmente considerado invencível. Percebe-se um paralelo muito claro em relação ao fanatismo religioso.
…..Geralmente, esta mudança pode ser considerada positiva (explico a seguir) mas aconselho para ter cuidado para não se envolver com charlatães. Falsos mestres se aproveitam de pessoas leigas em cultura oriental e na estrutura federativa das modalidades marciais para extorquir dinheiro.
…..Mas retornando aos efeitos psicológicos negativos do treino levado exageradamente a sério: o praticante começa a se sentir superior e mais esclarecido do que qualquer outra pessoa ao discutir os aspectos marciais de sua arte ou de outras modalidades. Essa arrogância pode levá-lo a tratar mal novatos e pessoas leigas que se atrevem a ter uma opinião, além de possuir um sentimento falso de que é “digno” suficiente para treinar, e se acha no direito de julgar a motivação de outras pessoas em relação ao treinamento. Em casos extremos, torna-se um indivíduo alienado e violento, ansioso por testar suas habilidades, sozinho ou em grupo, possivelmente em pessoas leigas e fisicamente menos privilegiadas.
…..Mas nem tudo é exaltado pelo ego ou por fanatismo. Por outro lado, existe o preenchimento de valores que até então poderiam estar ausentes de prática, percebidos como virtudes necessárias para o desenvolvimento do bom praticante de artes marciais. E este é o ponto onde o valor do treinamento é justificado no discurso de grandes mestres e veteranos de prática.
…..Existe um estado de comparação entre a prática marcial séria e o cotidiano pessoal e profissional. Situações e atividades simples são desenvolvidas com mais cuidados, mais atenção, concentração e observação. Decisões envolvendo pessoas começam a ser mais bem planejadas, através de estratégia tanto de conduta do tratamento aos indivíduos quanto dos benefícios e ganhos como consequência. Essa mudança de postura do praticante é creditada à arte marcial, que através do treinamento esclarece a necessidade da cortesia e educação – graças à presença de um instrutor orientador e colegas parceiros de treino é que a evolução do aprendizado se torna possível. Sozinho, treinando golpes a esmo, nem sempre.
…..Dessa forma, é comum que as pessoas mais próximas do praticante de artes marciais percebam sutis mudanças em seu comportamento. Tal qual um iniciado em alguma doutrina religiosa, suas ações e palavras denunciam que ele abraçou uma nova postura em relação a vida. E muitas vezes, não faltam comentários ou brincadeiras de amigos e familiares utilizando o termo “lavagem cerebral”.
…..O fato é que, uma vez que pessoa abraça com profunda sinceridade este modo de vida, algo que lhe faltava, principalmente em termos espirituais (aqui, uma pequena licença para estabelecer um paralelo religioso) torna-a mais completa. Uma religião que mostra ao convertido uma forma de pensar e ver o mundo de forma construtiva e saudável para corpo e mente. Além do mais, existem alguns “ritos cerimoniais” e formalidades da cultura oriental que realmente parecem ter apelo religioso, como reverência a fotos de mestres falecidos, altares xintoístas ou cartazes escritos em kanji.

Tou-rei: reverência à espada
…..Qual é conclusão que pode ser oferecida? É interessante manter a mente flexível em relação a opiniões políticas e humanas de forma geral. Certo e errado podem ser muito relativos, por isso é preferível pensar em termos de “positivo” e “negativo”. Se o praticante se torna obsessivo em relação à prática, existem conseqüências naturais que ele deve encarar e não são necessariamente boas ou más. O fanatismo é considerado extremista por estar longe de um centro mais equilibrado. Por exemplo: negligenciar a vida profissional e social constantemente em função de treinamentos definitivamente não agrega nada, pois exclui o praticante da oportunidade de por em prática seus valorosos conceitos morais ao auxiliar as pessoas e fazer parte de algo maior.
…..Por isso, é interessante hoje em dia que haja a busca pelo equilíbrio entre as todas obrigações, sem exageros e sem negligências. Afinal, atuamos em diversas frentes no mundo moderno: somos profissionais em alguma área, estudantes, somos filhos, somos maridos, esposas, amigos e seres que buscam um propósito e um lugar no mundo. Foi-se o tempo em que a dedicação máxima, do custe o que custar, no desempenhar de uma função era considerado correto e valorizado. Dar a vida pela causa poderia ser nobre, mas é impraticável num mundo onde não podemos nos dar ao luxo de sermos egoístas e acreditar que nossa existência e a responsabilidade sobre ela estão apenas em nossas mãos. Vamos ser mais livres…