O aikido em minha vida

Por Walter Amorim Sensei

Quando recebi a missão de escrever sobre como aikido mudou a minha vida, a minha maior preocupação não era de o que escrever, o tempo que arrumaria para fazê-lo. Pois tanta coisa tem ocorrido e minha agenda está tão cheia nesse ano que essa era minha preocupação.  Escrever sobre o aikido não é mais uma coisa difícil, pois está entranhado tão fortemente na minha vida que falar sobre ele é natural. Quem me conhece ou pede para falar sobre o aikido sabe. O problema talvez seja parar (risos)

Acho isso natural: Esse ano completo em março 20 anos de prática. Quando penso no aikido, o entusiasmo toma conta. Viro pregador. (Mais abaixo falo sobre esse problema). Então naturalmente posso falar. Esse entusiasmo deve ser o caminho de quem se dedica 20 anos a uma atividade desse tipo.

Em todos estes anos de experiência posso testemunhar muitas coisas certas sobre o aikido em minha vida.  O aikido tem a vantagem de poder ser dosado de acordo com as necessidades do praticante. Entretanto muita disciplina é necessária para avançarmos aos poucos, e dentro de nossos limites, pois também tem uma parte de cobrança física, à medida que nos aventuramos em exercícios mais avançados. Podemos encará-los ou não, é certo. Muitos praticantes começam em idade mais avançada, e em outras artes poderiam estar naquela idade já parando. No aikido existe essa vantagem, de poder iniciar em idades diversas, e ele nos remoçar por dentro. Mas é certo que, à medida que avançamos, vamos vendo nossos limites diminuírem como não esperávamos, mas temos que ter calma e evitar a precipitação.

Quando eu comecei aikido em 1990, eu estava procurando algo que não sabia ainda bem o que era. Que faltava em minhas aulas de karate.. O karate é maravilhoso e até hoje é uma excelente referencia. Mas eu não queria exatamente o lado competitivo, e apesar de, após a insistência de meu professor, ter me dado bem em um campeonato e nas competições internas no dojo, não era isso que procurava. Meu professor foi técnico da equipe carioca e posteriormente da brasileira de karate. Ele devia acreditar em meu potencial, e por isso, em retorno a sua dedicação para conosco, eu fui ao campeonato. Aí logo naquela época começaram a aparece aquele estilo wuku, voltado só para competição (marcação de pontos) e de efetividade e forma praticamente nenhuma. Foi a gota d’agua para desanimar. Com o lado competitivo. Não fui o único, pois posteriormente gerou uma cisão no shotokan, estilo que praticava. Mas o que me incomodava era que queria algo que, como disse, não sabia exatamente o que era. E que encontraria no aikido. O karate explorava um pouco do lado filosófico e espiritual, mas queria mais. E que pudesse a arte marcial moldar mais minhas reações frente ao mundo, ou seja, me preparar melhor para ele. Fiquei mas um tempo, mas por força de umas contusões dei uma meia parada de 1 ou 2 meses nas artes marciais. Aí surgiu por coincidência o aikido..

Já havia lido sobre ele e achei interessante, mas achei que esse tipo de arte não teria no Rio ( a grande Meca sempre foi São Paulo por causa  da migração oriental por lá)e em uma conversa com um amigo do trabalho naquele período de recesso estava falando que queria conhecer outras artes, talvez mudar um pouco. E ele me falou: “Por que não faz aikido? Estou fazendo um curso sobre budismo e o professor, que é monge budista, falou muito bem do aikido. Ele mesmo é faixa preta.” Disse que gostaria sim de conhecer, mas que ele deve ter aprendido em São Paulo e que aqui não tinha no Rio. Aí ele disse que tinha sim, tinha quase certeza. E que o professor dele sabia onde era. Sempre foi o problema doA ikido: Devido a ausência de competições a sua divulgação era pequena. Já estava desde 1963 no Rio e quase que desconhecido.  Hoje graças a Internet isso não ocorre. Eu mesmo acho que sou um grande divulgador. Voltando: Fui no curso de budismo pegar informações. O rapaz me recebeu muito bem e comecei na academia que me indicou.

Tinha visto e conhecia várias artes marciais e quando assisti não consegui entender muitas coisas do aikido. Comecei para conseguir pelo menos entender, pois como praticante de artes marciais por 5 anos no karate tinha perseverança.. Depois de 20 anos entendi tudo o que queria naquela época. Só que busquei outras coisas que quero assimilar mais e continuo mantendo aquele meu sentimento de que muito se tem a aprender.

O aikido, mas do que muitas artes possam propiciar no ocidente, te dá benefícios enormes. O que toda arte marcial, para ser arte marcial, deve dar. Justamente ela, que não tem competição.  De certa forma facilita.. Por não ter competição você fica atento e buscando todo o tempo os outros ganhos da arte marcial. Quando você tem competição ela ofusca um pouco os outros lados, os outros objetivos.  A idéia do  Aikido apresentar mais opções, do que lutar ou fugir também me atraiu. Eu particularmente gostei do controle da situação e do atacante. Não é preciso socar o nariz de alguém para controlá-lo.  Muitas vezes(quase sempre) gera mais conflito. O Aikido te dá à tranqüilidade de controlar a situação tanto mentalmente, como tecnicamente.  E mesmo se não se evitar o conflito e executando uma técnica pode-se evitar a agressão sem gerar mais conflito.

Mais ao longo deste tempo vi que o aikido exige perseverança pessoal e do grupo que resolve praticá-lo. Muitos são os obstáculos. Um deles é o local: Se você estiver em um local onde pode vivenciar a arte marcial em toda a sua completeza e ter tempo e orientação para desenvolver completamente, é ótimo. Entretanto, na nossa vida ocidental, muitas vezes a aula de uma arte marcial está encaixada em um pequeno local, no meio de uma grade de uma academia onde figuram diversas outras atividades. Comumente essas artes marciais ficam convivendo em meio a um barulho ensurdecedor de uma aula de “power lambo aerobic de verão” e somente pelo lado esportivo podem sobreviver. Nesses momento são lutas, ou esportes alternativos apenas, e atividades de academia. Deixam de ser arte marcial. Dificilmente estes locais podem moldar artistas marciais sem apoio. Sem outro local, outro campo onde possa se melhor explorado o caminho. Por isso o  aikido,  é o que tem mais dificuldade de se adaptar nesse locais. Possível é. Mas difícil. Arte marcial exige concentração e dedicação. Por isso os verdadeiros dojos são os melhores lugares. Ou as academias somente de arte marcial ou lutas. Espaços em academias são, para mim, transitórios ou auxiliares de outro local mais adequado. A não ser que tenham certo distanciamento próprio do caminho da arte marcial.

Outro obstáculo é termos adequadas referencias. Meus primeiros contatos, salvo exceções, foram excelentes referencias para conhecer e viver a arte em sua plenitude. Mas outros também serviram de exemplos do que não fazer. Principalmente como Sensei e difusor da arte.

Após o local e professor(es) adequados, acredito que a junção da dedicação, disciplina, vontade e estudo são os itens que irão sempre conduzir ao crescimento marcial.

Como beneficio o aikido me trouxe mais flexibilidade e determinação.  Assim como no aikido nada é rígido e enxergamos as portas por onde passar na execução das técnicas, o aikido vai te dando essa possibilidade de executar isso na vida, e continuar a caminhar sempre em sua evolução pessoal. Essa atitude me ajudou a responder aos argumentos com a minha mulher, os ataques do meu ex-chefe, e birras dos meus 3 anos de idade, dizendo: “Eu entendo que você está frustrados por … “(que estabelece a ligação)” … agora por favor ouvir o meu ponto de vista “.

No dojô freqüentemente falamos de experiências positivas em nosso dia-a-dia, em confrontos no trabalho, conflitos familiares e etc., sobre como a prática do Aikidô nos ajuda a encarar e vencer nossas dificuldades.

Quem não pratica Aikidô, ou outras linhas de Budô, tem duas dificuldades quando falamos sobre o aikido:  (1) podem interpretar como uma espécie de pregação e (2) só quem “sofre” e aprende com os treinos pode ter uma noção mais exata do que se trata aqui.  Praticantes de artes marciais, Ioga e outras atividades ligadas ao descobrimento pessoal, por exemplo, costumam passar por “pregadores”, em função do entusiasmo que transmitem ao discursar sobre o tema.  Acontece que a dificuldade, a exigência para se atingir ou chegar o mais próximo possível da perfeição, o cansaço da busca, a noção da linha fina que separa a vida e a morte, tudo o que é vivido no calor dos treinos ou na consciência da respiração de uma atividade como yoga não pode ser transmitido em um texto.

Minha própria experiência, entretanto, não restringe às artes marciais essa possibilidade de aguçar nossos sentidos.  Qualquer esporte praticado com dedicação pode também abrir essa possibilidade e mesmo outras práticas aparentemente não tão obvias deste esclarecimento (pelo menos para o pensamento ocidental), como jardinagem ou pintura. A diferença, para mim, está no foco que uma arte como o Aikidô tem justamente nesse tema.  Nas atividades e  esportes em geral essa certa “iluminação” se dá de forma mais sutil e como resultado secundário associado ainda ao comportamento do indivíduo (ninguém procura correr para atingir a iluminação, mas é impossível? Sempre que se olhar para dentro de si mesmo não será..). Nas artes marciais (naquelas que preservam e buscam ser artes marciais no sentido expresso) ela é uma conseqüência direta do que implicam os treinos e a verdadeira evolução na arte e não pode acontecer sem isso.

Além do aspecto do auto-conhecimento, há o do auto-controle diante das situações de estresse, pressão, medo.  Nos dois casos há uma ligação estreita, cabal, com a prática do Aikidô.

Isso é evidente para quem pratica, particularmente quando nos lembramos do controle da respiração durante o katá, acentuadamente no jiu waza  ou, dramaticamente, no Randori , diante de vários “oponentes” atacando de todas as direções, sob fortíssima pressão, exercitando a prática de não ser morto ou abatido.

Para quem duvida, aceite meu convite para experimentar!  O único detalhe é que a exigência de uma vida.  Alguns treinos ou mesmo apenas alguns meses, definitivamente não serão suficientes.  Venha preparado para um longo e muito agradável caminho, o “do”, de Aikidô.

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