Hora de revisar o Nafuda Kake

Nafudakake Ganseki

Toda vez que atualizo o Nafuda Kake, vejo um pouco da história do dojo.
Quem marcou história, quem passou por aqui e se criou algum vínculo com o aikido e com o grupo.
Cada nome ali mostra a integração do aluno com o dojo, incluindo nisso assiduidade, participações extras na organização, divulgação ou qualquer ação extra no dojo que vise sua continua manutenção e crescimento.
Os Nafuda representam a “conexão” entre o Dojo e o aluno, e simboliza que o indivíduo não é apenas um estudante do Dojo, mas um valioso membro que faz parte da organização.
A atualizações são às vezes um momento de felicidade, por aqueles que continuam a trilhar o caminho, mas também de tristeza por aqueles que interromperam sua jornada.
Ser artista marcial, depende muito de perseverança pessoal e disposição para enfrentar todas as dificuldades. Não é o sensei, o dojo, os companheiros de treino que te impede ou ajudam. Essencialmente é você mesmo.

Nafudakake Ganseki Dojo – detalhe

Começar e terminar

É consagrada a forma do círculo no Aikido. Ela carrega informação sobre a infinitude, com sua ausência de bordas e limites, bem como a noção de equilíbrio, estando todos os pontos igualmente distantes do centro. No entanto, no processo de construção dessas circularidades, podemos tratar de fases com início e fim.

Um dos exemplos disso são o começo e término de cada aula. Em nosso dojo, o ritual de início e fim de cada aula segue um procedimento específico. Com efeito, os praticantes sentam em seiza, virados para o kamiza dispostos lado a lado, formando um triângulo com o kamiza no vértice a frente. A disposição dos praticantes é tal que, tendo o kamiza como referência na frente, os alunos mais graduados ficam à direita e os menos graduados à esquerda. O sensei, então, se aproxima do kamiza pela esquerda, se posiciona em seiza, e se dirige para a frente do kamiza voltado aos praticantes. Após isso, o sensei gira e fica de frente para o kamiza e então por três vezes levanta as mãos em formato de prece e cumprimenta o kamiza. Na última vez, são executadas duas palmas, ao mesmo tempo. Tanto o levantar das maos quanto as palmas são executadas igualmente por todos os praticantes. Ao fim do treino, o mesmo ritual é repetido.

Vemos este processo de início e fim também nos movimentos praticados durante os treinos. Isso porque, quando os parceiros se dispõe para treinar, em geral em duplas, tanto no início quanto no final são feitos os cumprimentos apropriados. Respectivamente, em pé, para tachi-waza, e em seiza, para suwari-waza. Em ambos os casos, a pessoa mais graduada começa a prática da técnica como nage/tori e, equivalentemente, a pessoa mais nova é quem deve se aproximar, para realizar o ataque. Este procedimento de cumprimento é repetido várias vezes ao longo do treino, manifestando a repetição desse padrão de começo e término.

E, assim, vemos que, em diversas ocasiões durante a prática e em diferentes partes do dojo, há “mini-circulos” através de mini sequenciamentos de inicio-fim, repetidos várias vezes ao longo da prática. Deste modo, ao perdermos a noção de qual é a primeira circularidade, conectamos todas estas sequências em um grande círculo. E que consagramos em nosso dia-a-dia como hábitos circulares de cumprimento e desejo de bem-estar. Assim como é consagrada a forma do círculo no Aikido.

Aikido e a Relevância Marcial

        A maioria das pessoas ao ouvir este título começaria a se perguntar qual técnica se qualificaria como relevante e qual não seria e em quais situações isso seria verdade.  Talvez outros nem estariam tão interessados ​​em ouvir uma elaboração sobre isso, pois a seus olhos, o Aikido é uma arte marcial que vai além da simples autodefesa ou praticidade.  Isso está mais próximo de uma descrição do que exatamente é o contêiner chamado treinamento de Aikido.  É a partir deste ponto que começaremos esta jornada juntos.

       Em primeiro lugar, não acredito que nenhuma técnica ou exercício deva ser feito sem um olho na relevância marcial.  Dividir as técnicas em categorias como eficazes ou ineficazes já perde todo o objetivo do Aikido.  O treinamento de Aikido é uma única técnica feita de vários ângulos, formas e ataques para criar um corpo-mente-eu que está imbuído da compreensão total da relevância marcial.  esta é a natureza do caminho a ser percorrido.  Portanto, dizer que, por exemplo, os fundamentos são apenas exercícios e não necessariamente vão funcionar e que você precisa modificá-los para fazê-lo realmente perde a visão mais ampla do que é o Aikido no que diz respeito à construção de seu senso total de Aikido.  Aquele com quem você anda, fala e convive todos os dias o dia todo.  Esse sentido deve estar em seu corpo de forma progressiva constantemente para ser definido como um caminho, e todos nós, especialmente aqueles de nós que ensinamos, devemos ensinar todas as técnicas e todos os exercícios desde o primeiro dia com isso em mente.

 Não há diferença entre técnicas básicas e avançadas, pois todas influenciam diretamente o caminho do Aikido, por isso precisamos servir nossos alunos com consciência neste assunto.

       Quando eu estava aprendendo com Chiba Sensei, rapidamente ficou claro que fazer perguntas puramente intelectuais sobre o Aikido, ou perguntas que nos dessem uma compreensão intelectual antes da incorporação física, estava totalmente fora dos limites.  Por exemplo, um dos caras no jantar uma noite perguntou a ele qual era o significado de Atemi quando se aplica ao Aikido.  Pergunta errada.  Chiba Sensei, sem perder o ritmo, prontamente deu um tapa no rosto do cara e o jogou para trás em sua cadeira no chão.  Sopa por toda parte, pedaços de peixe no teto, etc. Nenhuma tradução necessária, ponto feito.

     Chiba Sensei era muitas coisas, sendo um personagem imprevisível, como este exemplo indicaria, mas o outro era muito parecido com o de um tradicional professor de Budo japonês.

 Um título como este “Professor de Budo Tradicional” na verdade significa e ocupa muito do mesmo território de todas as antigas escolas Zen tradicionais, onde o Roshi respondia às perguntas do aluno com coisas como bater na cabeça dele com um sapato  ou respondendo com respostas incompreensíveis como forma de despertar o aluno.

 O ponto chave em todos esses casos era simplesmente este;  O despertar e o aprendizado eram vistos como totais, não parciais e envolviam tudo ao mesmo tempo, mente, corpo, espírito e, de repente, seu mundo e sua compreensão eram diferentes e a arte como uma totalidade era algo que você possuía totalmente.

         A esse respeito, ensinar qualquer coisa a alunos que não tenham relevância marcial seria o mesmo que dizer a um novo aluno de Zen que eles não precisam realmente sentar em Zazen e lavar suas xícaras de chá.  Com o melhor de sua capacidade … sempre há isso.  Por extensão, não há Roshi que ainda não sente Zazen e lave suas xícaras de chá.

 O básico nunca muda, mas verdadeiramente profundamente o básico é importante e deve ser sempre enfatizado.

       Os fundamentos da relevância marcial no Aikido são essencialmente as chaves para desbloquear a qualidade geral da arte e são coisas como esta:

     1).  Desequilibre seu parceiro e nunca devolva o equilíbrio.

     2).  Nunca se mova na frente de um oponente bem equilibrado.

     3).  Todos os exercícios e técnicas de movimento levam a colocar-se em uma posição onde você PODERIA desferir um golpe/corte fatal facilmente e com o mais alto grau de movimento natural.

     4).  Atemi é usado geralmente com a finalidade de estabelecer o posicionamento correto do corpo e a distância necessária para atingir os três primeiros itens.  Tudo isso deve eventualmente se tornar uma coisa em que o próprio Aikido começará a abrir portas para você e mostrará a você uma liberdade de corpo e mente que você pode nem saber que existia.

       Tais assuntos são impossíveis de descrever com a palavra puramente escrita.  Por esse motivo, criei uma página no Patreon dedicada a ensinar os princípios do Aikido e a ajudá-lo em sua jornada.  Se você estiver interessado em seguir esse caminho, confira.

      Como sempre, estou aberto a comentários e ao contrário de Chiba Sensei ……… Não há perguntas ruins!

(Em tradução livre do original escrito por Yahe Solomon, Instrutor de Aikido, 7o Dan. Último acesso para postagem em: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid02xEk4nyVZuwHwUGU6joFuoDasGa4XrmTvnVvkJHmv9Up1rjmjvgCNPaVEtMfitBH4l&id=100063471581063&mibextid=Nif5oz).

Reverência ao entrar e sair do tatame

Existem diversos rituais que fazem parte da vida de um dojo. Aqui não queremos definir o que é certo ou errado, haja visto a individualidade de cada espaço, e nem tampouco vamos falar da ritualística enquanto sacralização do espaço (vamos dedicar um texto inteiro só pra isso…). Mas, sem dúvida nenhuma, um dos rituais mais presentes em um dojo é a reverência ao kamiza.

O procedimento em si mesmo é simples, mas carrega muitos significados. Inicialmente é preciso reconhecer a existência de um kamiza. Este determina uma referência no qual corpo e pensamento devem fazer reverência. Em nosso dojo, o kamiza consta um quadro com a foto de O-sensei Morihei Ueshiba e um quadro com o conceito Aikido escrito.

Para além da liberdade individual, e outras ritualizações, é obrigatória a reverência ao entrar e sair do tatame. Existem duas possibilidades para esta reverência. Uma é a reverência sentada, onde a pessoa fica em seiza e procede do modo usual, ou seja, sentado, com os joelhos juntos, dedão do pé direito sobre o dedão do pé esquerdo, coluna ereta e com as mãos apoiadas sobre a perna, é visualizado o kamiza. Em seguida, a mão direita e esquerda formam um triângulo, no qual a cabeça toma como referência, e a coluna é inclinada, mas mantida reta. Por fim, a coluna é novamente levantada e as mãos retornam à posição original. Outra possibilidade, ainda na entrada e saída do tatame, é a reverência em pé. Neste, a pessoa se mantém em pé, com a coluna, pernas, braços, retos e juntos, e visualiza o kamiza. Em seguida, inclina o corpo, mantendo a coluna, braços e pernas retos. E, por fim, retorna a sua posição anterior.

Uma das características mais interessantes, desta reverência, é que ela deve ser realizada por todos aikidocas, e isso independe da graduação ou tempo de prática. Além disso, outras artes marciais também praticam esse ritual, ou algum semelhante.

De fato, estendendo esse ritual para fora do dojo, praticamente todas as pessoas praticam um ritual semelhante em suas casas. Pode ser na entrada, ao colocar a bolsa e mochila em um certo local ou mesmo na saída, como trancar a porta de uma maneira específica. Em todos os casos você está tornando o lugar mais familiar, se conectando com o espaço, em suma, tornando-o seu lugar. E assim deve se tornar o dojo para você. Ali você dispende parte do seu dia ou noite, sua vontade, sua dedicação. Bem como tantas outras pessoas o fizeram antes de você. E por todos esses motivos, e muitos outros, você o deve reverenciar.

Forma e Ordem

No Aikido é fundamental o reconhecimento da forma. Note, porém, que reconhecer o fundamento não é o mesmo que enrijecer e ficar preso a uma forma. Para entender isso é necessário também perceber a relação entre forma e ordem.

Quando entramos em um dojo uma das principais características é a ordem. Essa palavra carrega um duplo sentido. Temos ordem enquanto organização e estrutura, e também temos ordem enquanto sequenciamento e gradação. Em um dojo, em todas as partes e nos dois sentidos, a ordem se faz presente. Os chinelos na entrada do tatame, os praticantes sentados de acordo com a graduação, a prática iniciando a partir dos mais velhos, entre outros.

Em todas estas situações, a ordem tem uma forma para se manifestar. Por exemplo, a ordem dos chinelos é revelada por uma forma de ser. Os chinelos não podem ficar com qualquer estrutura. Eles devem estar paralelos e com a ponta para fora do tatame. Existe uma forma específica para a sua ordenação. De outra maneira, a ordem se manifesta pela forma. Portanto, ambas estão intimamente conectadas.

A manutenção dessa ordem é feita por cada pessoa que integra o dojo e existem várias maneiras de se percebê-la. Uma delas, por exemplo, é a ordem através da limpeza,  e  diferentes limpezas manifestam diferentes formas. Uma destas limpezas é interior. Estarmos com o interior limpo é, por exemplo, mantermos os pensamentos com propósitos nobres, não falarmos palavrão, cuidarmos uns dos outros durante o treino, e qualquer outro modo de purificação interna. Com isto, a partir de uma limpeza interna, naturalmente surge uma ordem, que manifestará uma forma de ser.

Outra ordenação, bastante presente, é a limpeza do espaço físico através de ações como varrer e passar pano. A mecânica primeira de varrer não pode ser de qualquer modo. Não podemos jogar a poeira para qualquer lado. Se puxamos a poeira, ela vem para nós. Então há uma melhor forma. Varrer é para longe de nós. Já para passar um pano úmido  também existe uma forma preferencial. Isto porque se passarmos o pano para frente, enquanto andamos para frente, iremos pisar na região úmida. Portanto, aqui, também, existe uma melhor forma. Passar o pano é em nossa direção.

Por mais simplório que seja o exemplo da limpeza, como manifestação de ordenação, podemos perceber que ele trás rapidamente a questão da forma. Outra relação entre ordem e forma também surge na própria diagramação do espaço físico do dojo. Ao contrário de ser uma região disforme, a forma começa a surgir quando o dojo ganha um centro, no sentido de ponto de referência. Enquanto espaço, essa referência é o kamiza; enquanto instrução, essa referência é o sensei; e assim por diante. Então, a partir do centro, podemos pensar em uma ordenação – mais longe do centro, mais perto do centro – e, assim, a forma surge a partir dessa percepção do centro, que ordena o espaço.

Deste modo, a ordem trás à tona a noção de forma. Enquanto a forma é a manifestação da ordem. E, a sua manutenção destes conceitos garantem os desenvolvimentos subsequentes. Ordenação, forma e repetição. Sem caminhos encurtados ou fórmulas mágicas.

Expandindo ainda mais nosso entendimento, ao falar das formas e ordens, recorremos constantemente a dualidades. No exemplo de varrer e passar pano, na aproximação ou afastamento do centro, entre outros. Em todos estes conceitos, formas opostas foram uma ideia presente. Por outro lado, podemos pensar na própria existência da forma como uma possibilidade de oposição à forma, ou ainda, liberdade de forma. Como vemos manifestados na espada e no bastão. Mas vamos deixar pra outro texto…

Penny Bernath: sobre conseguir um lugar à mesa

Tradução livre do artigo de Josh Gold. Aikido journal, 20 de setembro de 2021.

Penny Bernath Shihan é faixa preta de 7º grau em aikido e é membro do comitê técnico da Federação de Aikido dos Estados Unidos , a maior organização de aikido dos Estados Unidos. Ela começou no aikido em 1973 em Hollywood, Flórida e logo depois, tornou-se aluna de Yoshimitsu Yamada Sensei. Em seus quase 50 anos praticando a arte, Penny estudou com muitos dos alunos diretos do fundador do aikido. Penny é uma das instrutoras de aikido mais bem classificadas nos Estados Unidos e leciona regularmente em seminários em todo o país e no exterior. Junto com seu marido Peter Bernath, Penny dirige a Florida Aikikai localizada em Fort Lauderdale, FL.

Penny Bernath

Josh Gold: Obrigado por se juntar a nós hoje, e parabéns por sua recente nomeação para o comitê técnico da Federação de Aikido dos Estados Unidos (USAF).

Penny Bernath: Obrigado. Estou emocionado e agradecido. Acho que é um marco importante e estou feliz por ter um papel no comitê técnico. 

O Comitê Técnico da USAF fornece supervisão instrucional para a maior organização de aikido dos Estados Unidos. Você pode compartilhar um pouco sobre a estrutura e função do comitê? 

Somos seis no comitê. Pode-se pensar no comitê técnico como os instrutores-chefes da USAF. Por exemplo, todo dojo tem um instrutor-chefe, e esse instrutor cuida da maior parte do ensino, garante que a instrução esteja alinhada com o currículo e garante que todos estejam no caminho certo com seus testes e progressão nas classificações. 

A classificação é, em última análise, importante para muitas pessoas no aikido, por isso muitas vezes levam suas preocupações a um membro do comitê técnico que pode se envolver com eles, apoiá-los e conversar com Yamada Sensei quando necessário. O comitê técnico da USAF também atua como conselheiro de Yamada Sensei porque todos nós temos uma longa história com ele. 

Você é a primeira mulher a fazer parte do comitê técnico na história da USAF. Como você acha que sua perspectiva como mulher pode influenciar positivamente esse comitê e/ou a organização em geral?

Acho muito importante estar aqui. E estou qualificado para estar aqui e capaz de lidar bem com o papel. Comecei a treinar em 1973, quando tinha 20 anos. Desde aquela época, nunca fiz uma longa pausa nos treinos, mesmo quando tive meus filhos. Meus professores primários e principais influenciadores foram alunos diretos de O’Sensei.

Acho que trago uma perspectiva valiosa para o comitê e a USAF. Treinei por quase 50 anos como praticante, passei décadas como dojo-cho (diretor executivo) e viajei ao redor do mundo com Yamada Sensei. Também dei seminários nos Estados Unidos e internacionalmente. Ter feito todas essas coisas como mulher é uma experiência diferente da dos homens do comitê. Então eu trago essa perspectiva comigo. 

E sim, precisamos de uma mulher no comitê. Está atrasado. Conheço essa arte, sinto essa arte, a entendo, e sou professora de profissão, então acho que posso passar o aikido adiante. Estou muito feliz por estar aqui e ansioso para contribuir. 

Penny Bernath no Florida Aikikai

Em termos de sua perspectiva como mulher praticante, operadora de dojo e professora mestre – há alguma história relacionada a desafios específicos de gênero em sua história no aikido que você possa compartilhar? 

Você tem algumas horas (risos)? 

Quando comecei no aikido, minha vida pessoal era uma bagunça. Quando entrei na porta do dojo, havia toda essa estrutura. Amei essa estrutura. E eu amo que havia pessoas para respeitar. Você tirou os sapatos, curvou-se no   tapete, curvou-se para as pessoas. A harmonia, a estrutura e a comunidade foram o que me manteve lá. Eu queria isso.

Mas uma coisa que descobri foi que parte da estrutura era que, na aula, a gente se alinhava por ordem de classificação. E assim, se eu testasse para o 3º kyu, por exemplo, eu tomava meu lugar, subia. Mas se seis meses, ou mesmo um ano depois, um homem testasse o 3º kyu, ele se sentava na minha frente. Isso continuou nos primeiros oito anos da minha experiência no aikido, antes de Peter (Bernath) chegar. Isso me fez sentir que, não importa o quanto eu chegasse, eu nunca estaria na frente da fila, porque se um homem, mesmo que chegasse 10 anos depois de mim, tivesse minha posição, ele se sentaria na frente mim. Eu me senti como um cidadão de segunda classe, honestamente.

Isso está confuso.

Eu sei. Mas agora, sou um membro do comitê técnico e agora estou sentado na frente da fila. Então, acho que mostra que o aikido está avançando e aceitando o caminho que a sociedade está ditando. Há mudança.

“Eu vi o Aikido mudar e eu vi meu lugar nele mudar. As mulheres precisam não apenas ser tratadas como iguais, mas também consideradas iguais.”

Você compartilhou comigo uma história sobre uma experiência de treinamento que teve décadas atrás no Aikikai Hombu Dojo. Você está aberto a compartilhar isso? 

Certo. Em 1986   fui ao Japão com um grupo dos Estados Unidos. Yamada Sensei e Kanai Sensei vieram conosco. Eu estava muito animado. Um dia, eu queria treinar na aula da manhã, mas ninguém mais queria ir naquele dia. Então, eu descobri o transporte e fui sozinho. Quando era hora de praticar, todos me ignoravam quando era hora de formar duplas. Restava apenas uma pessoa sem um parceiro de treino, um cavalheiro japonês. Ele não teve escolha a não ser trabalhar comigo, e ele não queria. Ele realmente não queria reconhecer minha existência.

A primeira técnica que praticamos foi shomenuchi sankyo, e esse homem literalmente não reconhecia minha existência. Eu era faixa-preta na época, mas ele era do Hombu Dojo então, claro, por questão de etiqueta, eu o ataquei primeiro. Mas ele não faria nada. Ele simplesmente me ignorou quando eu o ataquei. Então eu continuei batendo na cabeça dele pensando que ele tinha que responder. O que eu deveria fazer?

(Kisshomaru) Doshu estava dando aula e ele veio. Ele ficou muito chateado com esse cara por não fazer a técnica, então ele continuou mostrando a ele como executar o movimento, comigo como seu parceiro de demonstração. Fiquei emocionado com isso. Mas este homem simplesmente  não podia fazê-lo. O Doshu voltou mais de uma vez e não ficou feliz com isso. 

Como aquilo fez você se sentir?

Depois de inúmeras tentativas fracassadas de fazer com que meu parceiro se envolvesse comigo, eu só queria encolher na inexistência. Eu não queria estar lá. Eu queria desaparecer. 

E quando voltei ao hotel, havia uma mensagem solicitando que eu fosse ver Yamada Sensei imediatamente. Eu nunca tinha visto Yamada Sensei tão bravo. Ele disse que o Doshu ligou para ele para contar sobre o incidente e que eu fui rude e desrespeitoso. Alguns dos detalhes do incidente não chegaram corretamente a Yamada Sensei, ou foram comunicados de uma perspectiva diferente. Yamada Sensei ficou furioso e me disse que eu desrespeitava ele e a arte. Eu queria contar ao Yamada Sensei os detalhes do que aconteceu, mas ele estava muito chateado naquele momento. No final, ficou bem. No entanto, se eu fosse um homem, isso nunca teria acontecido. Nenhum dos homens que foram comigo nessa viagem teve problemas assim no tatame.

“Não quero dizer que amo todos com quem treino. Eu não. Mas a alegria que vem de um bom fluxo de prática é incrível.”

E então, mais tarde naquele mesmo ano, Doshu veio para o acampamento de verão da USAF. Antes do seminário, todos se perguntavam quem Doshu poderia usar como uke e as pessoas comentavam especificamente que ele nunca chamava as mulheres de ukes.   Então o Doshu começa a aula e me chama para ser seu uke. Fiquei chocado. Eu literalmente sentei lá por um segundo sem saber o que fazer. 

Que técnica ele demonstrou com você?

Shomenuchi sankyo, a mesma técnica que eu deveria estar praticando com aquele cara no Hombu Dojo. Eu devo ter causado tal impressão no Doshu (risos).

Penny Bernath ensinando na Florida Aikikai

Por que você pratica aikido? O que a arte significa para você?

É o empoderamento. Eu amo isso. Acho que é uma troca poderosa de energia. É Magica. Acho que não há outro sentimento como esse. Você está jogando outro ser humano com um poder tremendo e não o machucando. Não quero dizer que amo todos com quem treino. Eu não. Mas a alegria que vem de um bom fluxo de prática é incrível. E então, onde mais você vai conseguir isso?   Acho que algumas pessoas sentem falta da beleza do Aikido quando tentam encaixá-lo na categoria de esporte combativo.

Conte-me sobre seu relacionamento com Yamada Sensei. Quando você começou a treinar com Yamada Sensei? 

Eu tinha 20 anos e o dojo em que treinei tinha apenas seis alunos. Meu professor me abordou um dia e me disse que dois professores veteranos de aikido estavam vindo para a Flórida apenas para passar férias; nada de aikido. Ele me pediu para buscá-los no aeroporto e cuidar deles enquanto estivessem na cidade. Eu não os conhecia de jeito nenhum. Eu tinha acabado de começar no aikido. Quando eles desceram do avião, eu os chamei de Yamada e Kanai. Eu nem sabia tratá-los como “Sensei”. Eles estavam em seus 30 anos e para mim, eles eram como estrelas do rock. Eles saíram daquele avião, e Yamada Sensei parecia Elvis Presley e Kanai Sensei era tão incrivelmente bonito e carismático. 

Tivemos um grande momento. Eu trouxe minha irmã comigo e fizemos o nosso melhor para cuidar de Yamada Sensei e Kanai Sensei. Nenhum de nós tinha dinheiro, então foi uma experiência muito modesta para todos nós. Jogamos pingue-pongue e fomos à praia, mas principalmente eles queriam ficar sozinhos. Eles eram amigos que queriam sair e passar algum tempo juntos sozinhos. 

“(Yamada Sensei) sempre respeitou que eu pudesse organizar as coisas e ele confia em mim a responsabilidade financeira e organizacional. Ele abriu o mundo do aikido para mim e por isso estou completamente em dívida com ele. Eu sou querido por ele por isso.”

Sinto que, por não conhecê-los no tatame, meu relacionamento com eles foi forjado de uma maneira completamente diferente. Em retrospecto, acredito que tive muita sorte, porque eu era péssimo no aikido na época e, em vez de eles me conhecerem nesse contexto, todos começamos nosso relacionamento como amigos. Mais tarde, quando comecei a treinar com eles, tive a sensação de que eles estavam pensando: “Ah, esqueça. Ela nunca vai conseguir isso, mas ela é legal, então vamos mantê-la por perto.”

Começou uma relação de confiança de longo prazo. Yamada Sensei veio para a Flórida muitas vezes depois disso. Ele gostava de fazer seminários aqui. 

Quando meu primeiro professor se mudou, Yamada Sensei me deu dinheiro para começar nosso dojo e ele derrubou Peter (Bernath). Yamada Sensei me disse: “Vou trazer um instrutor de Nova York, mas você cuida de todos os aspectos organizacionais e de negócios do dojo e se reporta a mim”. E assim, quando começamos o dojo, Florida Aikikai, Peter e eu estávamos em pé de igualdade com Yamada Sensei. Então, foi uma parceria.

Yoshimitsu Yamada com Penny Bernath c. 1974

E agora, Yamada Sensei tem 80 anos. Como é a sua relação com ele agora, depois de 40 anos?

Muito querida. Eu me preocupo com ele, me preocupo com ele e quero vê-lo, o que a pandemia dificultou muito. Ele é como meu pai, mas de uma maneira diferente, e eu me importo profundamente com ele.

Dar-me a responsabilidade de organizar o seminário anual de inverno da USAF foi gigantesco. E se é porque eu era mulher, que assim seja, porque abriu todas as portas para mim.   Ele sempre respeitou o fato de eu poder organizar as coisas e confia em mim a responsabilidade financeira e organizacional. Ele abriu o mundo do aikido para mim e por isso estou completamente em dívida com ele, e sou querido por ele por isso.

A USAF tem estado no centro das atenções recentemente por questões de equilíbrio de gênero e equidade. O que foi feito na organização para resolver isso? E, como membro sênior da USAF, que mudanças você gostaria de ver implementadas no futuro? 

Direi algumas palavras sobre isso do meu ponto de vista pessoal, mas, por favor, lembre-se de que não estou falando em nome da USAF oficialmente agora.

Estou agora no comitê técnico, e isso é enorme. Yamada Sensei vem de uma origem muito japonesa. Mas embora tenhamos raízes japonesas, somos uma sociedade global. E globalmente, as questões das mulheres estão mudando. E assim, em um sentido natural, o aikido também precisa mudar. E já tem. Eu sou uma testemunha em primeira mão disso. Eu vi o Aikido mudar e eu vi meu lugar nele mudar. As mulheres precisam não apenas ser tratadas como iguais, mas também consideradas iguais.

Houve conflito e as coisas mudaram. E as coisas precisam continuar a mudar. Para que a mudança aconteça, tem que haver conflito. A questão é: como organizamos esse conflito de uma maneira que produza resultados positivos? 

Há mais alguma coisa que você gostaria de compartilhar com a comunidade do Aikido Journal?

Eu aprecio muito que você me deu a oportunidade de ter voz e compartilhar meus pensamentos e experiências no mundo do aikido. Há muito tempo quero comunicar essas coisas e nunca tive uma oportunidade como essa.   Muito obrigado.

Nota do autor: Agradecimentos especiais a Brad Edwards por fornecer a fotografia para este artigo.

Josh Gold


Editor Executivo do Aikido Journal, CEO do Budo Accelerator e Instrutor Chefe do Ikazuchi Dojo.


Aumenta o caminho percorrido, cresce a responsabilidade

Na semana passada tive uma experiência  que me fez pensar: Um amigo meu, que tem academia e foi meu sócio, foi procurado por um professor de aikido. Queria saber se conhecia e minha opinião sobre ele. Ocorre que eu conheço, pois estivemos trabalhando junto como yudanshas de um grupo por alguns anos. Ele me decepcionou bastante, pois descobri que este, que frequentou minha casa, e eu a dele, na minha ausência me detratava e jogava contra mim dentro do grupo. E por simples ciúme, ou necessidade de sobressair neste grupo. Este aparentemente gostava desse jogo de intrigas na época. Fiquei satisfeito comigo, pois apesar de poder prejudica-lo, tendo um gosto de uma “vingancinha”, me senti totalmente livre do desejo de querer faze-lo. Senti que o espirito do aikido me contaminou de alguma forma estes anos. Isso é bom. Acho que aprendi alguma coisa. Me limitei a fazer elogios ao bom aikidoka e professor que é. É mesmo. E, diplomaticamente, disse que não poderia afiançar o trato dele com o dono de academia( para evitar ser cobrado como “fiador” de comportamento futuro) mas que ele havia ficado, pelo que sei, em relação harmoniosa com a antigo local por uns 10 anos. No fim, o destino não quis que ele fosse para lá. Não tinha horário este meu amigo. Talvez os kamis do aikido não quiseram. Mas deixei a eles o julgamento. Mas do que poderia supor, recebo estas consultas e tenho tentado ir pelo caminho correto. Somente ano passado teve um caso que desaprovei realmente, quando um sujeito de péssima índole, que também conheci, quis entrar na Sansuikai por meio de um amigo meu de SP. Contei a ele tudo que sei. Não por vingança, mas por que minha responsabilidade com a sansuikai é grande. Dito pelo próprio Yamada Sensei. Além da amizade com este meu amigo, que seria seu sensei. Por que seria um problema sério. Não só pelo que aconteceu comigo diretamente, mas este sujeito causou problemas em outros locais por onde andou. Acredito que infelizmente não só seja questões de caráter, mas psicológicas. Não são só intrigas. Mente e vive em um mundo de fantasia como se realmente acredita-se nessas mentiras. Não só no aikido, mas na vida dele em geral, pois soube de coisas dele como contratado na Petrobas, que por coincidência me chegaram lá dentro. Ou talvez não seja coincidência. A informação seria utilizada depois em prol da Sansuikai. Mas este é um caso realmente muito atípico. Na maioria são só um pouco errados no caminho do aikido, e na maioria das vezes, também em um só momento. Como este caso agora que me chegou. Mas quem não erra tanto antes de acertar? Acho que estou começando, depois de 30 anos, a aprender algo com o aikido.

Walter Amorim sensei

Akai ito

Já ouviu falar sobre Akai ito (赤い糸)? Trata-se de uma lenda de origem chinesa que fala sobre um fio vermelho invisível que une as pessoas que estão predestinadas a ficar juntas, independentemente do tempo, lugar ou circunstância. O fio pode esticar ou emaranhar-se, mas nunca irá partir.” Ou seja, em algum momento da vida, essas almas gêmeas vão se encontrar.
Enquanto que na cultura chinesa, os deuses amarram o fio ao redor dos tornozelos daqueles que estão predestinados, no Japão a história é um pouco diferente: o fio está amarrado em torno do dedo mindinho dos casais que são almas gêmeas. A lenda também é chamada de Unmei no akai ito (運命の赤い糸), que significa “corda vermelha do destino”.
Uma curiosidade sobre a sabedoria e intuição japonesa sobre o akai ito: o dedo mindinho representa o coração, nele está conectada a artéria ulnar que o liga ao órgão.
Ou seja, o dedo mindinho é uma extensão de seu coração. Por isso o fio vermelho é preso nele, conectando os corações.
O que torna o akai ito tão magnífico é o romance que o envolve, e mais que isso, o akai ito não se limita a casais afetivos. Ele nos liga a pessoas importantes que passam/ram em nossas vidas.

(Adaptado de https://coisasdojapao.com e https://www.japaoemfoco.com)

BREVE INTRODUÇÃO A TIPOLOGIA DOS ESTUDANTES DE AIKIDO

Texto original em espanhol publicado em Aikido en Linea

Tradução: walter Amorim

No Aikido, os instrutores, em geral, são aqueles que carregam o peso dos grupos: eles devem ensinar, energizar o grupo e levá-lo adiante. Não é uma tarefa fácil. E talvez, nesse aspecto, o mais difícil seja a gestão dos alunos. Um grupo não pode existir sem eles, e também precisa de pelo menos um núcleo de incondicionais e dedicados para crescer e se sustentar no tempo. Aqueles que são instrutores saberão a dificuldade de conseguir isso, e quão valioso é praticar. Portanto, é essencial identificar que tipos de alunos podemos encontrar, saber como gerenciá-los e localizá-los da melhor maneira possível, para que possamos construir esse grupo saudável e forte que todo professor aspira.
Sem querer ser exaustivo e encerrar o assunto, fizemos uma breve lista dos tipos possíveis de alunos, juntamente com algumas recomendações possíveis para o seu gerenciamento adequado.

1. O Sinuoso (*):

Estes alunos são como o rio sinuoso (*), que vem e vai, entra e sai periodicamente. Para eles, o Aikido é uma atividade divertida ou social. O recomendado aqui é deixá-los fazer, e não prestar mais atenção do que o necessário. Eles, vem ao keiko para se divertirem. E são felizes. Por que se preocupar mais? Não os pressione mais do que deveriam, mas não lhes peça mais do que eles darão.

2. O “wannabe”(*2):

Treinamento no Budo Senyokai Takeda dojo na Prefeitura de Hyogo.
à esquerda, de pé, Kiyoshi Nakakura; sexto a partir da esquerda:
Morihei Ueshiba, Gozo Shioda, Kisshomaru Ueshiba,
Hatsu Ueshiba. O terceiro de pé a partir da direita é Kenji Tomiki.
Sentado em Segundo a partir da esquerda: Rinjiro Shirata, Tsutomu Yukawa

O aspirante é um estudante que quer, mas não chega. Ele quer obter uma faixa preta, mas ele não treina o suficiente. Ele quer melhorar sua técnica, mas isso ele não se aplica. De certa forma, a sua força é mais da boca para fora. Em nossa opinião, ele está hesitando entre ser um Estudante sinuoso ou tornar-se um formal(adiante). Precisa de um pouco de ajuda para decidir, sem pressão, mas sendo o instrutor claro sobre isso. Você tem que dizer: “Eu gosto que você queira dominar o assunto, mas você precisa de mais envolvimento de sua parte para consegui-lo”.

3. O formal:

Esses estudantes são ótimos. Eles vêm para treinar e treinar. Eles praticam e, embora não sejam os melhores, progridem e levam a sério, ao mesmo tempo em que não criam problemas de convivência. Um instrutor pode se sentir com sorte se tiver um bom número desses alunos. O importante é saber diferenciá-los dos aprendizes de Ueshiba e dos filhos pródigos, pois nestes casos já seria necessário tomar medidas.

4. O aprendiz de Ueshiba:

É o que aparentemente é formal. E muito. Mas com o instrutor. Com seus companheiros, ele é esmagador, ele acredita que tem poder para ordenar ou comandar. A autoridade do aprendiz de Ueshiba é arrogante e, com isso, tem a autoridade para gritar, esmagar e tornar a vida impossível para os outros. Esse tipo de aluno pode ser muito prejudicial para o grupo e afastar as pessoas boas que aprendem muito e dão ainda mais aos colegas. Tenha cuidado com eles! Eles podem destruir grupos muito saudáveis. Aqui, talvez, seja aconselhável ensiná-los a se comportar, dar-lhes um toque de atenção em particular e, se não reagirem, insistir. Se eles ainda assim continuarem nesta postura, é melhor pedir a eles que deixem o Dojo por um tempo para reconsiderar. Repensar. E, muito importante, é necessário aliviar os possíveis danos que causaram entre os outros alunos.

5. O filho pródigo:

Esse tipo de aluno é aquele que aborda o Aikido para preencher uma lacuna emocional. Eles são identificados por uma intensa dedicação, mas não para dominar o repertório técnico, mas para agradar. Eles querem ter dan e faixase, acima de tudo, querem estar ao lado de seus professores e obter seu reconhecimento. Esses estudantes são muito perigosos, porque há o risco de que eles afastem os outros para sentir que são os escolhidos, mesmo com técnicass ruins, e acabam gerando uma atmosfera ruim. Nunca subestime o quão desesperadamente carentes algumas pessoas são, elas são capazes de tudo!

6. O carrapato:

Este é o pior tipo de estudante. Pede, pede e não dê nada em troca. Ou seja, nem se aplica nem treina, mal paga as taxas e até se queixa. Deixe ele ir!

7. A pepita de ouro:

Um em um milhão. Talvez você não encontre, mas quando o fizer, será O ALUNO. Talvez seja possível que não exista, uma vez que os alunos também são humanos.
Esta é uma breve introdução aos tipos de alunos. Também deve ser dito que na mesma pessoa muitos tipos podem se apresentar. Do filho pródigo pode-se passar ao formal, assim como o Sinuoso pode evoluir para o “wannabe” e formal. E esta evolução é da responsabilidade de cada aluno. Reconheçamos, o dever de um instrutor de Aikido é ensinar arte, e é tarefa dos alunos se aplicar e progredir. O que um instrutor de Aikido deve fazer é criar as condições adequadas para que esse progresso técnico esteja em todos e cada um dos alunos. Isso inclui manter um ambiente de trabalho saudável emocionalmente, e isso, por si só, filtra aqueles que só vão dar problemas.
Algumas dicas podem ser as seguintes:

Da esquerda para a direita: Alan Ruddock , Henry Kono, Per Winter, Joanne Willard, Joe Deisher , O Sensei , Joanne Shimamoto , Kenneth Cottier, Desconhecido, Norman Miles, y Terry Dobson ( foto tomada por Georges Willard com a cámara de Henry Kono )

1. Você é o professor, o instrutor, mas não o pai de ninguém. Eventualmente, você pode fazer amizade com um aluno (não há nada de errado com isso) ou ajudar alguém fora do Dojo. Mas no tatami você treinará, não resolverá os problemas pessoais de ninguém. É tão simples! Com este conselho, você se poupará de se doar muito para muitos e… muitas, muitas dores de cabeça.
2 O etiqueta é, basicamente, uma maneira de respeitar o outro, não de impor comportamentos. Tenha cuidado para que o rótulo sirva para fomentar o cuidado mútuo entre os membros do dojo. Isso é essencial para obter uma boa atmosfera.
3 A medida dos alunos deve ser a própria técnica e desenvolvimento marcial. Preocupe-se em aprender, e será o nível de cada aluno que colocará cada um em seu lugar.
4 Seja justo Use o mesmo nível de avaliação para todos.
5 Promova um ambiente maduro, com pessoas cujo interesse seja aprender e não se destacar. Evite exposições desnecessárias.

Certamente, existem experiências variadas sobre o assunto. Estas são apenas algumas dicas breves para não se molestar. Nós esperamos que você goste do que foi dito. Coragem para todos os instrutores!

Escrito por Alvarez Rodrigo Resino

* NT: O titulo que o originalmente cunhou para estes alunos foi “Aluno Guadiana”. Guadiana é um Rio que cruiza espanha e portugal que é bem sinuoso e por vezes “some” em alguns pontos e reaparece mais a frente. Então ele comparou o aluno intermitente com o rio.

*2: Wannabe: Wannabe é uma corruptela de want to be e designa a pessoa que está tentando alcançar sucesso ou fama, normalmente sem nenhum êxito. A expressão se tornou popular com o sucesso de Madonna, quando os fãs dela declaravam: I wanna be like Madonna! Eu quero ser igual a Madonna!

QUEM ABRE SEU PRÓPRIO DOJO É LOUCO – Palavras do Fundador III

Prólogo:

Este artigo é o terceiro desta série, “Palavras do Fundador”. Esta série de artigos detalha as lições que aprendi com o Fundador e minhas experiências como último uchideshi e otomo para o Fundador, Morihei Ueshiba. Os dois primeiros artigos:

Este Velho não precisa mais disso; Palavras do Fundador I

Não ensine Budo se você está preocupado com o seu Komebitsu : palavras do fundador II

Este artigo atual baseia-se em uma experiência que tive há três anos durante uma visita à minha cidade natal de Akita no Japão. Nos dias em que eu era um uchideshi para o Fundador em Iwama, minha irmã frequentemente vinha me visitar. Ela sempre me pediu para manter um diário, ou escrever cartas para casa com mais frequência. Eu não sabia naquele momento, mas todas as cartas e fotos que mandei para casa, ela guardou para mim. Nesta viagem, em casa, há três anos, encontrei tudo.

Minhas cartas descobertas sobre o Fundador, sua esposa, e minhas experiências em Iwama; foram os reflexos sérios de um jovem e entusiasmado estudante do Fundador. Isso me faz sorrir, quando vejo esse mesmo entusiasmo nos meus próprios alunos iniciantes; de tempos em tempos. Os alunos que tentam escrever tudo, e estão tão ansiosos para praticar. Minha escrita com minha irmã, nas cartas guardadas, era tão inocentes…. A inocência da visão de um adolescente, sobre o mundo, há cinco décadas. Eu também encontrei artigos do Fundador que eu havia coletado na época. Havia também uma escova de cerdas com a qual o Fundador praticava caligrafia, e que havia descartado. Eu colecionei esses artigos, como um fã adolescente, encantado pelo ídolo, coleta as parafernálias de um superstar. Na minha idade agora, sou capaz de entender algumas coisas, sobre as quais fiquei confuso durante esses primeiros anos.

Palavras do Fundador

Fotos tiradas no Noma Dojo em 1935. Uke: Shigemi Yonekawa

No primeiro e segundo artigos que escrevi, “As Palavras do Fundador I & II”, eu escrevi da memória de minhas experiências em Iwama. Este artigo atual é baseado nessas cartas recém-descobertas que eu tinha escrito e minha irmã guradou. Essas cartas são testemunhos físicos de minhas experiências com o Fundador, tão boas, quanto ruins. Para este artigo, vou compartilhar algumas das memórias positivas, gravadas em meus registros redescobertos. Histórias pessoais como esta, não foram escritas sobre o Fundador, porque ninguém que escreveu sobre o Fundador teve essas experiências ou conhece essas histórias “nos bastidores”.

Relacionamento entre professor e aluno

Quando o correio do Fundador era entregue; era aberto, organizado e lido em voz alta para ele. Este foi o dever do Osoba Tsuki (círculo interno de uchideshi muito próximo ), e para realizar esta tarefa foi Kikuno responsável por ler para o Fundador. Depois de ouvir uma carta escrita a ele um dia, o Fundador sorriu e disse: “Quem abre seu próprio dojo é louco”. Nunca esqueci as palavras que falou, ou o quanto elas me confundiram. Kishu ben é o dialecto local falado na cidade natal do fundador, (Kishu está localizado na prefeitura de Wakayama) e ele falou essas palavras em seu próprio dialeto da cidade natal.

Vivendo com o fundador:

  • Lembranças das noites cuidando de O-sensei

Antes de explicar o que percebo agora, o que o Fundador quis dizer com essas palavras, gostaria de compartilhar com vocês uma lembrança de como era uma noite particular do Fundador.

As letras, jornais ou livros que eram lidos para o Fundador foram chamados daidoku . Não havia TV ou rádio naquela época em Iwama, então, para as notícias, Kikuno lia diariamente o jornal para o Fundador. Para mim, o jornal era um pouco difícil de ler, então esse era o trabalho de Kikuno. Todas as noites, no entanto, antes que o Fundador se retirasse para a cama de futon, ele incubia a mim para ler partes do Reikai Mono Gatari, da doutrina religiosa Omoto. Isso eu podia ler, porque os personagens escritos em kanji tinham caracteres hiragana fonéticos escritos ao lado deles, o que eu entendia. Ele se debruçava no futon para se preparar para o sono e enquanto eu lia o Reikai Mono Gatari para ele, e Kikuno massageava seus pés. ( omi ashi sasuri ).

Este ritual de dormir era realmente um pouco complicado de executar. Não era fisicamente difícil, já que o Fundador se deitava, e fechava os olhos para ouvir. Mas era sempre difícil dizer quando ele adormeceu, e quando chegou a hora de parar de ler. A única maneira de saber se ele tinha adormecido era verificar se sua expressão tinha mudado. Às vezes, adivinhávamos errado e pensava que tínhamos terminado, e nos preparávamos para sair. Se estivéssemos errados, ele começava a se mover, e fazia um som para nos indicar que continuássemos.

Um dia, Kikuno me perguntou se eu faria o omi ashi sasuri (massagem nos pés), que ela iria ler; mudando de emprego por assim dizer. Este omi ashi sasuri para o Fundador não era meu trabalho favorito. Isso me obrigava a sentar-se em seiza (posição ajoelhada) e me inclinar para massagear os pés do Fundador suficientemente abaixado para que o ar não circulando sobre o futon e fica-se frio. Como eu era bastante alto, sentar-se nessa posição, por qualquer período de tempo, era difícil e doloroso.

Você pode perguntar, se o Fundador, Kikuno e eu, éramos os únicos na sala, por que eu tinha que me sentar tão formalmente em Seiza? Por que não me sentava mais confortavelmente? A resposta? A inocência da juventude, e o respeito pelo Fundador, são a resposta mais simples. Se eu penso nisso agora, isso me faz rir de mim mesmo daquela época.

Eu não queria mudar de emprego, mas então ela me mostrou suas mãos. Fiquei muito surpreso ao ver que ambas as mãos estavam severamente inchadas, rachadas e vermelhas de suas tarefas diárias de roupa, pratos e lavando os pisos à mão com água fria. Nunca tocamos a pele do Fundador diretamente quando lhe davamos uma massagem. As massagens foram dadas enquanto ele usava um quimono ou as toalhas eram colocadas sobre as áreas expostas. Ainda assim, as mãos de Kikuno não estavam em forma para dar uma massagem, e ela me pediu para mudar porque suas mãos estavam muito doloridas.

Nos quartos de dormir do Fundador, havia um pequeno fogão a querosene que era usado no inverno e no início da primavera para manter o quarto quente. O quarto de Kikuno não tinha aquecimento e Iwama no inverno estava extremamente frio e seco. A cozinha e a sala de jantar também tinham um pequeno aquecedor de gás e havia um fogão para aquecer água, mas era impensável usar água quente para limpeza. Eu acho que trabalhar em água fria, dia após dia, foi muito difícil para Kikuno.

Quando o Fundador estava ensinando, o osoba tsuki uchideshi , obviamente, sempre adere à prática. Se a técnica sendo praticada fosse kata dori (agarrar o ombro), agarrando o keiko gi de um parceiro, repetidamente, só aumentaria ainda mais o inchaço das mãos.

Hoje, medicamentos e loções para estas condições estão facilmente disponíveis, mas na época, os produtos de cuidados da pele, para Kikuno, eram um luxo que não podia pagar. Ela não podia pagar esses luxos em seu pequeno salário, que, se não me falha a memória, era de cerca de 10.000 ienes por mês (US $ 85 por padrões de hoje e muito menos no momento). Sua família geralmente lhe enviava um pouco de dinheiro de casa, apenas para ajudá-la a chegar ao fim do mês.

Lembro-me, no momento, que o Fundador tinha um produto muito moderno na época: Um cobertor elétrico! Ele se queixava de usar o cobertor, no entanto, lamentando que que dava comichão. Não conseguimos descobrir por que dava tanta comichão para ele, então finalmente removemos o cobertor elétrico e tentamos usar utampo (bolsas de água quente) para manter o futon quente. As bolsas de água quente ainda não faziam o futon bastante quente o suficiente, então a idéia de Kikuno era entrar no futon do Fundador (sem roupa) para aquecer a cama, e sair logo antes do fundador entrar para dormir. Com todas essas atividades, especialmente nas noites em que o Fundador tomava banho, a hora de dormir era um momento ocupado.

A prática de Aikido em Iwama, durante os dias do Fundador, foi realizada após o jantar às 7:00 da tarde. Se o Fundador tomasse banho naquela noite, ele não iria à prática. Seria tarde demais para ele se banhar depois da prática. Assim, nas noites de banho, ele tomaria seu banho no início da noite e não ensinaria a prática.

A casa do banho era do tamanho de duas esteiras de tatami , e era meu trabalho empurrar o fogo que aquecia o ofuro (banheira) de fora da casa de banho através da abertura do fogo. Eu tinha que controlar a quantidade de lenha queimada com muito cuidado, para controlar a temperatura da água do banho. Mesmo que a temperatura da água fosse perfeita, a água fervida fresca é muito afiada e pica o corpo. Agitaríamos a água para adicionar oxigênio, para suavizar a água que se chama umomi. Se a água ainda fosse muito afiada para o conforto do Fundador, Kikuno entraria na banheira para suavizar a água. Isso foi chamado niban yo e era o trabalho de Kikuno.

Depois, Kikuno sempre me contava, mesmo rindo um pouco sobre isso, como isso era difícil para ela porque suas mãos e pés estavam tão ruins. A água quente fresca incomodava sua pele danificada pela água fria, em que ela costumava fazer com suas tarefas domésticas.

Hoje, isso certamente não seria feito. Seria chamado abuso de funcionários ou assédio moral. Naquele momento, no entanto, não era incomum. Ninguém foi forçado a fazer essas tarefas, era exatamente como as coisas eram feitas, e todos nós fizemos nossos trabalhos, sinceramente, com a melhor das nossas habilidades.

Depois que o banho estava pronto, e o Fundador entraria na banheira, eu lavaria o corpo do Fundador, enquanto Kikuno iria para o quarto de dormir do Fundador para aquecer seu futon. A banheira do Fundador consistia em uma panela de cozinha enorme ( goemong buro ), que era grande o suficiente para uma pessoa se encaixar dentro. Quando o Fundador se sentava na banheira, lavaria as costas do Fundador. A parte traseira de sua costas caia onde grandes músculos já haviam estado, quando o Fundador estava no auge da forma, como normal de uma pessoa muito velha. Girava a toalha e esfregava levemente para cima. Eu tinha de esticar sua pele das costas, para que não se movesse com meus movimentos, tornando a lavagem ineficaz.

Kikuno e eu éramos tão jovens na época, e em nossas mentes nós só queríamos fazer o nosso melhor para tornar o Fundador confortável. No entanto, não poderíamos curar a coceira que ele sofria. Agora eu acredito que esta era um sintoma da doença do fígado, que finalmente ceifou a vida do Fundador, e realmente não havia nada que pudéssemos ter feito naquele momento.

Com exceção das noites de banho, o jantar foi servido por volta das 5:00 da tarde. O menu do fundador era muito simples. Não tenho lembrança que Kikuno tenha feito alguma vez compras em um mercado para o jantar. O jantar era feito a partir de colheitas de nossos próprios jardins. Pickles era o favorito; e feito de nossos próprios vegetais na horta.

  • Refeições:

Todas as manhãs, o Fundador verificaria os jardins após as orações da cerimônia da manhã. Ele podava as plantas cuidadosamente, escolhendo o suficiente para que vegetais maiores crescessem. Os vegetais eram usados ​​para fazer picles que acompanhavam todas as refeições, juntamente com uma pequena quantidade de minúsculos peixes secos, doados por estudantes, e que seriam utilizados para fazer pratos para acompanhar. Estes pratos acompanhavam uma pequena tigela de okayu (mingau de arroz) para completar a refeição simples. Todos os meses, havia um festival especial ( Tsuki nami sai ) no santuário de Aiki em Iwama onde eram feitos mochi (bolos de arroz batido). Nestes dias especiais, pequenos pedaços de mochi eram misturados aos  okayu do Fundador como um tratamento especial.

Dois itens que também foram sempre servidos em todas as refeições para o Fundador eram um pequeno copo de vinagre de arroz balsâmico curado ( kurozu ) e uma pequena xícara de sake (vinho de arroz). Morangos na refeição foram mergulhados tanto no vinagre, quanto no sake, antes de comer. Não me lembro de quem os trouxe, mas alguém trouxe uma vez karashi renkon (raiz de lótus recheada com mostarda suave). O Fundador gostava especialmente deste prato, bem como um prato feito com salmão salgado, misturado com batatas cozidas, que eram moldadas em pequenas bolas e cozidas no vapor. O Fundador também gostava desses! Esta era uma delicadeza local, e comum em vila Shitaki, lugar que o Fundador desfrutou durante seus dias pioneiros em Hokkaido.

Não era comum no Japão, na época, que os homens idosos comessem arroz apimentado. Hoje, este prato é amplamente popular no Japão, e é chamado de “curry-rice”. O Fundador gostava de comer arroz apimentado ocasionalmente, pois era um bom remédio para a constipação! Sem carne, apenas um pouco de batata e cenoura, era adicionada ao curry, e servido com arroz. Este foi o meu prato favorito, e o de Kikuno também! O Fundador diria: “Você é jovem e deve comer carne”, e ele pedia para comprar frango para o nosso curry. Nós sempre agradeceríamos, mas é claro que não podíamos e não comprávamos frango para o nosso curry…

Se a condição corporal do Fundador não era boa, seu apetite também não era bom. Sua esposa diria-lhe com severidade: “Você deve comer para alimentar-se”. O Fundador se sentava à mesa, mas tirava comida do prato e colocava no prato da mulher dizendo: “Você come”, e depois tentava fugir. Sua esposa respondeu: “NÃO, você deve comer!”, provocadoramente. Eles pareciam duas crianças durante essas brincadeiras. Uma memória reconfortante que eu lembro até hoje.

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  • A solidão do fundador:

Kikuno e eu ainda éramos jovens. Não tivemos experiência, nem conhecimento sobre como cuidar de um casal em seus 80 anos. Se tivéssemos uma pergunta sobre como cuidar deles, corríamos até a casa do falecido Morihiro Saito Shihan e pedíamos a ele ou a sua esposa conselhos sobre como cuidar de uma situação particular.

O Fundador começava às vezes a ter uma explosão que não conseguíamos cuidar. Naquela época, a esposa de Morihiro Saito Shihan viria e, num dialético muito severo de Ibaraki, diria ao Fundador: “O Sensei, o que está acontecendo?” O modo e o tom dela era o de uma enfermeira responsável que normalmente faria a explosão parar imediatamente. Depois, ela mudaria sua voz para um tom muito gentil e perguntava ao Fundador novamente o que estava acontecendo. Para nosso alívio, isso geralmente fazia o Fundador feliz; como uma criança reconfortada.

Quando olho para trás agora, acho que o Fundador estava sozinho. Kikuno e eu éramos muito jovens para conviver com ele em seu nível de experiência de vida.

Antes de sua morte, Morihiro Saito Shihan veio visitar a sede de Nippon Kan em Denver. Ele tinha vindo para ensinar em um seminário, e foi acompanhado por Shigeru Kawabe Sensei, Instrutor chefe em Akita Branch e o editor do Aikido Journal, Stanley Pranin. No jantar uma noite, Morihiro Saito Shihan me disse: “Eu era o deshi do fundador, então eu tive que fazer qualquer coisa e tudo o que o Fundador me pediu. Essa é a maneira de ser um deshi, e recebi classificação e status para fazer isso. Minha esposa, no entanto, não era sua aluna. Dia ou noite, não importava a hora, minha esposa cuidava do Fundador, mas não como uma obrigação, mas porque se importava. Por todo o seu cuidado com o Fundador, minha esposa nem sequer recebeu um agradecimento da família Ueshiba em Tóquio. Acho que a família Ueshiba entendeu que Iwama era apenas um lugar para afastar parentes velhos e indesejados. É assim que pareceu. Não tenho lembrança do filho do fundador, Kishomaru, ou de seus filhos crescidos, visitando o Fundador, especialmente nos últimos anos de sua vida “.

Nas biografias populares da vida do Fundador, diz-se que foi a escolha do Fundador se mudar de Iwama para Tóquio, e para Dojo Aikikai Hombu no final de sua vida, para um tratamento médico mais intenso. Era verdade que, quando o Fundador se mudou para Tóquio, ele morava no segundo andar do dojo Aikikai Hombu no dojo médio. Ele morava lá até perto da morte, e foi transferido depois para uma pequena sala no mesmo andar, onde ele finalmente faleceu.

O que não está escrito é que, logo ao lado do Aikikai Hombu, o dojo foi o lar de Kishomaru Ueshiba, o filho do Fundador. Na casa de Doshu Kishomaru Ueshiba, havia um quarto para o Fundador, mas o Fundador não permaneceu naquele quarto durante seus últimos dias. Em Iwama, quando o Fundador ainda estava saudável, Kikuno e eu ouviamos o Fundador, enquanto se queixava da família, quase todas as noites. Ele tinha muitos motivos para reclamar, mas estes são razões pessoais e privadas, então eu não quero elaborar aqui.

Parece romântico, que o Fundador viveu no dojo até sua morte, mas, na realidade, havia razões profundas e pessoais para ele estar lá.

Tantas lembranças….  mas voltemos à história….

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Quem abre o seu próprio dojo é louco…

Como eu mencionei antes, o Fundador estava ouvindo Kikuno ler o correio um dia, e quando ela leu uma carta ao Fundador, ele sorriu disse: “Quem abre o seu próprio dojo é louco”… Eu não entendi na época o que ele queria dizer com isso e achei bastante confuso. Agora, quase 5 décadas depois, acho que entendo…

Hoje, existem dojos afiliados à sede do Aikikai em todo o Japão e em todo o mundo, no entanto, Aikikai ou a família Ueshiba não financiam ou apoiam o aluguel do edificio ou as operações de nenhum dos dojos nesta vasta organização. Mesmo Iwama Aiki Shrine Aikikai tem dojos diretamente relacionados a eles, mas esses dojos também foram construídos por apoiantes e estudantes, não a família Ueshiba ou a sede da Aikikai. A maioria dos dojos em todo o mundo foram construídos por instrutores e alunos individuais com seus próprios recursos. Não são vistos até que esses novos dojos tenham se tornado estáveis ​​por si próprios, e conseguiram se anexar à sede da Aikikai.

Dojos em todo lugar, seja alugado ou de proprios, são financiados e apoiados por estudantes leais; não a Aikikai.

Um gato pega ratos e os leva aos pés de seu dono para mostrar o que eles pegaram. Quanto maior o camundongo, mais elogios e outros gatos recebem este gato. Isso é muito parecido com a Aikikai e os deleites e elogios que são dadas aos dojos que se afiliam com eles.

A carta que Kikuno estava lendo provavelmente era uma carta de um apoiante do aikido rico de alguma localidade, informando sobre a abertura de um novo dojo. No Japão, diz-se que há três coisas que as pessoas temem;

1 Terremotos 2. Relâmpago 3. Incêndio…

…e um quarto atualmente …    …Pai.

Na nossa sociedade moderna, as mulheres ocupam um lugar mais forte e mais igual, mas mesmo agora, nas tradicionais famílias japonesas antigas, o pai é o chefe de família e desempenha um papel severo, estrito e dominante. Tradicionalmente no Japão, um pai apresentaria seus filhos à pessoas de fora como, “O garoto maluco desta casa”. Se um pai pedisse a um associado que contratasse ou recebesse seu filho, ele perguntaria dizendo “Por favor, cuide desse garoto maluco”. A etiqueta japonesa comum daquele dia era minimizar a inteligência, ou as habilidades de sua prole; referindo-se a eles durante as apresentações de forma mais negativa.

Nos Estados Unidos, a etiqueta é oposta. As crianças são apresentadas como “Meu filho maravilhoso, ou filha perfeita”. Este é um costume americano e não é aceitável falar negativamente sobre os próprios filhos, especialmente na frente deles ou outros.

Pode ser difícil de entender a partir de uma perspectiva ocidental, mas o significado desse costume japonês tradicional de destruição da prole é, na verdade, humildade. É mais uma maneira de dizer: “Meu filho pode não ser perfeito e ele não tem muita experiência. Espero que ele não seja um fardo para você, mas cuide bem dele “.

Então, nesse contexto, é o que o Fundador realmente significou quando ele disse: “Quem abre seu próprio dojo é louco” …

Importante considerar foi o tom e as expressões faciais dele. Ele sorriu, enquanto dizia que estavam loucos. O Fundador estava pensando que esse aluno era tão leal, e amava tanto seu Aikido, que ele iria transpor todos os problemas aoe abrir seu próprio dojo. O Fundador sabia bem das dificuldades que aguardava seu aluno nesse esforço. O significado de suas palavras, era tanto um reconhecimento do presente, quanto um aviso sobre o que se adiantava.

O Fundador estava realmente muito feliz com a notícia, mas de acordo com as tradições da época, respondeu com “Quem abre seu próprio dojo é louco”. Se isso estivesse em um momento atual nos Estados Unidos, ele poderia ter dito: “Estou muito feliz, mas você vai ficar bem? É um pouco louco abrir o seu próprio dojo e haverá momentos difíceis à frente. Eu me preocupo com você “.

De qualquer forma, se o Fundador realmente pensou que alguém estava realmente louco ( bacamono ), ele estaria gritando com uma voz alta o suficiente para derrubá-lo. Às vezes, no final da noite, em Iwama, o Fundador pensaria em alguém que o irritara, ou o desapontou, e começava a gritar em uma disputa de 2-3 minutos, mesmo que a pessoa não estivesse lá. O poder de sua voz era assustador, e surpreendente naqueles tempos; algo que nunca vou esquecer.

Ouvir esta notícia sobre um novo dojo tornou o Fundador feliz, mas também levantou para ele preocupações para o estudante. Suas palavras eram uma maneira gentil e amigável de expressar preocupação.

***

Hizamoto

Muitos anos depois, meu dojo é chamado Aikido Nippon Kan Headquarters e está localizado em Denver, Colorado, EUA. O dojo foi originalmente chamado Japan House Culture Centre, mas o nome foi alterado há quase 40 anos e, nessas últimas quatro décadas, mais de 25 mil alunos participaram nas aulas da Nippon Kan. Alguns alunos pararam após três dias e alguns dos meus alunos praticam o Aikido comigo há mais de 30 anos. Houve muitos estudantes na Nippon Kan, e na média, temos cerca de 150 alunos praticando em qualquer momento.

Ultimamente, há o crescimento da população em Denver, e os subúrbios ao redor tem crescido. Perguntei a meus instrutores, e estudantes seniores, se alguém gostaria de abrir seu próprio dojo em algum outro lugar da cidade. Esses alunos seniores sabem bem o quão difícil é construir um dojo e, até agora, NINGUÉM quer começar um dojo por conta própria. Quando eu perguntei, um dos meus instrutores respondeu: “Você está tentando se livrar de mim?” Meus alunos e instrutores são tão bons e ninguém parece ter qualquer ambição de abrir outro dojo por conta própria.

Se este fosse o sonho de qualquer um dos meus instrutores seniores, e eles tiverem um bom plano para abrir o seu próprio dojo, eu responderia: “Você está louco?” … e eu também, claro, se seu plano tivesse sentido, o ajudaria a alcançar seus sonhos.

Nunca foi minha intenção pressionar os alunos a abrir os dojos filiais da Nippon Kan. Não tenho desejos de fazer a organização Nippon Kan maior, colecionando dojos afiliados. Isso nunca foi uma ambição minha de qualquer maneira. Para abrir um dojo, precisa de dinheiro para alugar espaço, fornecer, anunciar e organizar, mas essas tarefas são possíveis. Manter os alunos é a tarefa mais difícil. Para alguns dos meus alunos que estiveram comigo por um longo período de tempo, não desejo os percalços desta difícil estrada, abrindo e mantendo um dojo vivo, especialmente se eles pensam que estão fazendo isso por mim.

Se houvesse um desejo verdadeiro, então eu construiria um dojo para eles. Eu apoiaria eles. Eu nunca pedi o contrário: “Você deve fazer isso por mim”.

Com mais de 25 mil alunos na Nippon Kan ao longo dos anos, apenas uma mão cheia de estudantes desapareceu por conta própria, para começar seus próprios dojos sem aviso prévio. Instrutores instantâneos, com novas credenciais, e novos dojos aparecem com grandes anúncios de abertura. Alguns estudantes de Nippon Kan fizeram isso, mas muito poucos. Dos 25.000 alunos, uma mão cheia de renegados, não é inimaginável.

Honestamente, quando isso aconteceu, suspirei aliviado. Tendo esses poucos estudantes desaparecido por si mesmos, aliviei-me de ter que excluí-los oficialmente e pessoalmente. Uma das responsabilidades mais difíceis para um instrutor ter.

Eu instruo em meu dojo nos Estados Unidos por quase 40 anos; e estou orgulhoso de dizer que não tenho nenhum dojo afiliado nos Estados Unidos. Isto é de valor para mim, e é um reflexo direto do que aprendi com o Fundador. Aikido Nippon Kan é um dojo independente e saudável, que ensinou o Aikido por quase quatro décadas. Costuma-se pensar que, para que um dojo seja bem sucedido, tem-se que abrir dojos afiliados e criar uma franquia. Fui recomendado repetidamente pela equipe americana que esta era a estrada para o sucesso. Agora, minha equipe entende meu espírito e filosofia, e ninguém no Nippon Kan persegue a meta de se tornar um monopólio franqueado.

Hizamoto é um termo em japonês que significa “sob o joelho ou nos pés de” e refere-se a estudantes muito próximos. O Fundador disse ao seu hizamoto: “Você precisa estar louco para abrir seu próprio dojo”. O Fundador teve um hizamoto ou deshi que cuidava muito dele e, em troca, o Fundador cuidava muito bem deles; misturando amor e preocupação, tristeza e felicidade juntos. O tipo de provocações sarcásticas encontradas na declaração do Fundador, “Você precisa estar louco” é uma mistura complexa de sentimentos profundos que refletem um coração muito doce. Isso também faz parte da tradição e do costume no Japão.

Neste artigo, escrevi sobre o relacionamento entre professor e aluno; a responsabilidade do cargo de professor e a profunda apreciação do hizamoto. Espero que, ao ler este artigo, tenha sido capaz de compartilhar um pouco da luz nas palavras do Fundador e a natureza dos relacionamentos em sua vida ao seu redor.

NOTA:

A empregada do fundador Kikuno em Iwama foi apelidada de Kiku chan e permaneceu com o Fundador até sua morte como uma assistente muito próxima. Quando o Fundador faleceu, Kikuno tinha apenas 21 anos. Kikuno Yamamoto morou perto de onde o Fundador morava, na área de Iwama, pelo resto de sua vida.

* Por simplicidade, alguns títulos de mérito e honoríficos não foram usados ​​neste artigo.

Escrito por Gaku Homma
Nippon Kan Kancho
26 de junho de 2015

Homma Gaku (本 間 学Honma Gaku ), nascido em 12 de maio de 1950, é professor de aikido e estudante direto do fundador Morihei Ueshiba . Ele é um autor; os livros Children and the Martial Arts e Aikido for Life são suas publicações mais destacadas. Homma, cujo pai era um sacerdote Shinto e um oficial no Exército Imperial japonês durante a guerra, nasceu na prefeitura de Akita. De acordo com Homma, aos 14 anos, foi enviado por seu pai para treinar em Iwama sob o fundador do Aikido, Ueshiba Morihei. Homma também treinou como um uchi deshi em Iwama e no Aikikai Hombu Dojo em Tóquio , sob o fundador e sob Saito Morihiro no final da década de 1960.Homma Sensei é um dos último uchi deshi a ser treinado diretamente por Ueshiba Morihei. Sua carreira inicial como professor foi em uma base da força aérea americana. Em 1976, Homma mudou-se para Denver, Colorado, e fundou o Nippon Kan como um dojo independente em 1978. Este dojo tornou-se o maior dojo do aikido na região das Montanhas Rochosas e é conhecido pelo seu programa internacional de uchi-deshi Ele organizou diversos seminários de aikido em Denver, muitos deles ensinados por Saito Morihiro. Além do dojo do aikido, que é uma instituição sem fins lucrativos, Homma sensei fundou a Aikido Humanitarian Active Network (AHAN) cuja missão é “estender a filosofia do Aikido ao mundo além do dojo”.