Forma e Ordem

No Aikido é fundamental o reconhecimento da forma. Note, porém, que reconhecer o fundamento não é o mesmo que enrijecer e ficar preso a uma forma. Para entender isso é necessário também perceber a relação entre forma e ordem.

Quando entramos em um dojo uma das principais características é a ordem. Essa palavra carrega um duplo sentido. Temos ordem enquanto organização e estrutura, e também temos ordem enquanto sequenciamento e gradação. Em um dojo, em todas as partes e nos dois sentidos, a ordem se faz presente. Os chinelos na entrada do tatame, os praticantes sentados de acordo com a graduação, a prática iniciando a partir dos mais velhos, entre outros.

Em todas estas situações, a ordem tem uma forma para se manifestar. Por exemplo, a ordem dos chinelos é revelada por uma forma de ser. Os chinelos não podem ficar com qualquer estrutura. Eles devem estar paralelos e com a ponta para fora do tatame. Existe uma forma específica para a sua ordenação. De outra maneira, a ordem se manifesta pela forma. Portanto, ambas estão intimamente conectadas.

A manutenção dessa ordem é feita por cada pessoa que integra o dojo e existem várias maneiras de se percebê-la. Uma delas, por exemplo, é a ordem através da limpeza,  e  diferentes limpezas manifestam diferentes formas. Uma destas limpezas é interior. Estarmos com o interior limpo é, por exemplo, mantermos os pensamentos com propósitos nobres, não falarmos palavrão, cuidarmos uns dos outros durante o treino, e qualquer outro modo de purificação interna. Com isto, a partir de uma limpeza interna, naturalmente surge uma ordem, que manifestará uma forma de ser.

Outra ordenação, bastante presente, é a limpeza do espaço físico através de ações como varrer e passar pano. A mecânica primeira de varrer não pode ser de qualquer modo. Não podemos jogar a poeira para qualquer lado. Se puxamos a poeira, ela vem para nós. Então há uma melhor forma. Varrer é para longe de nós. Já para passar um pano úmido  também existe uma forma preferencial. Isto porque se passarmos o pano para frente, enquanto andamos para frente, iremos pisar na região úmida. Portanto, aqui, também, existe uma melhor forma. Passar o pano é em nossa direção.

Por mais simplório que seja o exemplo da limpeza, como manifestação de ordenação, podemos perceber que ele trás rapidamente a questão da forma. Outra relação entre ordem e forma também surge na própria diagramação do espaço físico do dojo. Ao contrário de ser uma região disforme, a forma começa a surgir quando o dojo ganha um centro, no sentido de ponto de referência. Enquanto espaço, essa referência é o kamiza; enquanto instrução, essa referência é o sensei; e assim por diante. Então, a partir do centro, podemos pensar em uma ordenação – mais longe do centro, mais perto do centro – e, assim, a forma surge a partir dessa percepção do centro, que ordena o espaço.

Deste modo, a ordem trás à tona a noção de forma. Enquanto a forma é a manifestação da ordem. E, a sua manutenção destes conceitos garantem os desenvolvimentos subsequentes. Ordenação, forma e repetição. Sem caminhos encurtados ou fórmulas mágicas.

Expandindo ainda mais nosso entendimento, ao falar das formas e ordens, recorremos constantemente a dualidades. No exemplo de varrer e passar pano, na aproximação ou afastamento do centro, entre outros. Em todos estes conceitos, formas opostas foram uma ideia presente. Por outro lado, podemos pensar na própria existência da forma como uma possibilidade de oposição à forma, ou ainda, liberdade de forma. Como vemos manifestados na espada e no bastão. Mas vamos deixar pra outro texto…