Exercitando o corpo enquanto ainda somos jovens

Por Gozo Shioda Sensei 9 dan.

Como um princípio fundamental do Aikido, treinamos sem usar forças desnecessárias. Diferente de outras artes marciais, onde existem muitos exercícios para treinamento muscular, o treino de Aikido não inclui este tipo de atividade. A questão é: porque não usamos treinamento muscular e, se usarmos, até que ponto devemos fazê-lo? Caso Ueshiba Sensei visse pessoas levantando e puxando pesos, ele comentaria: “Que exercícios tediosos” e nos aconselharia a não fazê-los.
Mas, de fato, quando eu estava sozinho costumava praticar vários tipos de exercícios para treinar meu físico. Era jovem e cheio de energia, e como estava muito ávido para ficar forte, não me sentia satisfeito, a não ser que fizesse todos os tipos de exercícios até me cansar e tratar meu corpo com dureza.
Pensando melhor sobre isso, desafiando meus limites físicos, estava simultaneamente construindo minha força mental. Faria muitas flexões: facilmente 250 por dia. Barra horizontal também, quando estivesse com disposição. Poderia fazer mais de 300 por vez. Barra com uma mão era fácil também. Quando estava no segundo ano do colegial, representava a região de Kanto na ginástica. Como um jovem, estava bastante confiante na minha força física e habilidade.
Foi graças a esse tipo de treinamento que pude ganhar de Masahiko Kimura no braço-de-ferro. Naquele tempo éramos dois estudantes da Universidade Takushoku, da mesma classe de inglês. O braço-de-ferro era muito popular. Era só um de nós querermos uma disputa que uma das mesas da classe imediatamente se transformava em cena de confronto.
O sr. Kimura já era o melhor judoca do Japão e muito mais forte que a média. Um tipo de “Hércules”. Ele podia entortar uma moeda entre os dedos, quebrar uma porta japonesa entre seus braços ou mesmo entortar uma barra de chumbo. A primeira vez que lutamos me lembro da minha mão direita sendo imobilizada nas mãos de Kimura. Lembro-me também de ter esperado algum tipo de reação por parte dele. Mas tão logo o sinal do início foi dado, juntei toda minha força contra ele antes que ele pudesse usar qualquer força. Surpreso, e quase sem resistência, sua grande força não utilizada, sr. Kimura virou-se e caiu. Ele riu vigorosamente, dizendo: “Eu perdi antes que pudesse ter feito qualquer coisa.”
Foi assim que ganhei no nosso primeiro confronto, mas como meu oponente era um homem particularmente forte, as outras vezes não foram tão boas assim. A vez seguinte, perdi. Nós tentamos de novo, muitas vezes perdendo e ganhando em turnos.

NO FINAL DO PROCESSO DE
TREINAMENTO “ESPARTANO”, A FORÇA SE FOI

Houve um tempo que eu era orgulhoso da minha força física. Naquele tempo, usava só o poder e a força das mãos quando executava as técnicas. Aliás, no Dojo Ueshiba, havia sempre entre 20 jovens estudantes da religião Omoto Kyo, que estavam sempre se confrontando e testando uns aos outros, com o uso de muita força. Durante o processo de treino, isto é aceitável. Mesmo que eu peça para os jovens não usarem força, naturalmente eles usam. Esta é a realidade quando somos jovens. Para testar e limitar o uso da força, perdemos a proposta de nosso treino.
O importante é fazer nosso melhor a cada estágio de nosso progresso. Devemos levar nosso corpo e mente até o limite e, se não treinarmos até nos satisfazermos, então não podemos sentir e assimilar mentalmente com nosso corpo o que é realmente vital.
Os KIDOTAI, polícia de choque, que treinam em nosso Dojo, são um bom exemplo. Não falo para eles para não usarem força. Nós os levamos até seus limites e quando eles estão tão cansados que suas pernas e quadris mal podem suportá-los, não usam mais força. Anteriormente, quando o Dojo era em Musashi Koganei, todo mês de abril os funcionários da estação ferroviária podiam olhar para o corrimão da escada e dizer “parece que a polícia começou seu treino na Yoshinkan novamente este ano.”
Os treinees estavam tão exaustos com seu treino que seguravam nos corrimões para se arrastarem para cima e para baixo na escada mantendo-os, assim, limpos e polidos.
Se não treinarmos duro não poderemos realizar o Aikido como arte marcial. Entretanto, nem todo mundo é capaz de fazer ou seguir este tipo de treino. Por isso, hoje em dia no nosso Dojo temos um modelo de ensino.
Quando somos jovens, podemos forçar nosso corpo fisicamente. Fazendo isso, entendemos melhor sobre nós mesmos e começamos a desenvolver nossa força mental. Assim que começamos a envelhecer, nossa força física gradualmente desaparece. Quando isso acontece, somos capazes, pela primeira vez, de sentir e realizar efetivamente o poder e o foco do Kokyuryoku, o qual não depende de força física.
Entretanto, esse nível só é alcançado através do treino duro e absoluto feito enquanto somos jovens. Se nós nos restringirmos desde o começo e fizermos treinos leves durante os anos seguintes, então de nada terá adiantado. Ueshiba Sensei nos disse para não usar força, mas na verdade ele treinou muito forte quando jovem. Chegando ao fim de sua vida, alcançou o estágio que podia demonstrar “técnicas divinas” por causa de sua experiência. Não podemos esquecer esse ponto.

DEVEMOS CONSTRUIR FÍSICOS QUE SE MOVAM NATURALMENTE

O que significa para pessoas que seguem um treinamento espartano “construir o físico de alguém?” Vamos olhar o físico que Ueshiba Sensei tinha. Mesmo o físico do Sensei sendo bem largo, ele não possuía grandes músculos. Em fotos, nós o vemos com o corpo enrugado.
A realidade era um pouco diferente. Seu corpo não era duro, mas era, no todo, macio e liso. Tinha sempre que lavar as costas do Sensei no banho ou que massagear seu corpo e com isso tive muitas oportunidades de tocá-lo. Mesmo hoje, me lembro o quanto ele era flexível e suave. Quando o segurava com pressão dos dedos por um momento e depois soltava, sua pele voltava ao estado normal suavemente – era esse o tipo de físico dele. Quando segurávamos suas mãos, havia um sentimento estranho. Primeiro nós não sentíamos força ou poder, mas sem se dar conta do que tinha acontecido, nós nos sentíamos presos. Em outras palavras: ele era leve, mas era uma leveza com um terrível tipo de poder e de força que poderia ser despertado, se necessário.
Porque Ueshiba Sensei é o fundador do Aikido e tinha este tipo de físico, nós poderíamos ser levados a pensar que todos que treinam Aikido deveriam ter o mesmo tipo de constituição. Este, entretanto, não é o caso. Ueshiba Sensei costumava dizer que nós deveríamos estar prontos e preparados para construir nosso corpo, mas de modo que estivesse de acordo com a nossa estrutura e constituição. “Por isso Shioda, se você tentar desenvolver um corpo igual ao meu, você não será capaz de se mover naturalmente”, ele me disse uma vez. Em outras palavras, Ueshiba Sensei estava querendo dizer que o Aikido é uma das maiores formas de Budo porque é natural. Por esse motivo, não devemos tentar construir um corpo contra a natureza, mas sim um corpo que combine conosco.
No entanto, muitas pessoas confundem a natureza. Por exemplo, é estranho quando o corpo envelhece e se transforma, fica rígido, para forçar a fazer os mesmos tipos de exercícios que os jovens fazem. Isto somente tende a prejudicar os músculos. É igualmente estranho se nós tentamos e construímos músculos desnecessários num corpo pequeno através de levantamento de pesos até o corpo ficar forte. Este tipo de tentativa vai contra a natureza. Se nós persistirmos em ir contra a natureza, podemos ficar fortes em musculatura, mas não seremos capazes de alcançar o segredo do Aikido.
Até o ponto que o Aikido interessa, o desenho ideal para o físico é aquele que não é deficiente para o tipo de atividade que fazemos. A revelação de Ueshiba Sensei que a “postura natural quando andamos é Budo”, se aplica a esse assunto. O Aikido pode ser praticado por qualquer um. Pessoas com físico rígido praticam como pessoas rígidas. Aqueles com físicos gordos, como pessoas gordas. Qualquer situação onde nós podemos nos movimentar naturalmente está bom.
Contrariamente, podemos dizer que devemos mudar nosso corpo para este se tornar natural. Shugyo (treino “espartano”) afeta essa mudança, mas necessita de esforços contínuos para aperfeiçoar isso. Se desenvolvemos nosso corpo do melhor modo possível, de acordo com a nossa idade e nosso físico, então mesmo sendo velhos podemos ainda praticar Aikido.
(Traduzido da Revista Aikido Yoshinkan International)

Traduzido por Emy Yoshida

2 respostas para “Exercitando o corpo enquanto ainda somos jovens”

    1. Um aluno me passou esse texto. Não sei o tradutor. É voce? Sabe quem é? Me passe para colocar. E se possivel a data onde foi originalmente publicada a tradução. Te aguardo.

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