POLINDO O ESPELHO, QUEBRANDO PEDRAS

Por DENNIS HOOKER
Trad. Jaqueline Sá Freire (Hikari Dojo- Instituto Takemussu Rio de Janeiro)

Há vários anos eu passei por uma cirurgia grande, relacionada a uma doença crônica. Tive que tomar medicamentos que me fizeram ganhar 50 lbs de peso em dois meses. Meu corpo não respondia a comandos normais. Fiquei severamente deprimido, pronto a desistir da vida. Meus alunos, alguns dos quais eram mais velhos que eu, compreenderam o perigo, e se juntaram para me dar uma passagem de avião para um seminário que estava sendo dado por meu sensei. Eles me levaram para a outra cidade e para o Dojo (um deles ficou comigo durante o vôo). Alguém me ajudou a me vestir e me levou ao tatame. Eu escutei e observei enquanto o sensei ensinava.

Por várias vezes, jovens aikidocas se aproximaram e me convidaram para treinar, mas eu educadamente recusava. E por várias vezes ouvi pessoas falando sobre mim. “Se ele não quer treinar”- eles diziam – “ele deveria sair do tatame. Quem esse cara pensa que é?” No final do seminário eu só conseguia sorrir dessas palavras. Eu sabia porque estava lá, e sabia o quanto ganhei.

Compaixão, amor e compreensão nos ajudam muito, especialmente se não sabemos o que está acontecendo a nossa volta. A qualquer momento, sem saber, podemos estar presenciando uma luta de vida ou morte. Nestes momentos, uma palavra gentil, um toque ou um sinal de compaixão podem ser a manifestação do valor marcial que é a chave da vitória de algumas pessoas.

Tendo em vista a condição física, alguns de nós podem estar treinando ou “no vale” ou “na montanha”. Não temos o luxo de treinar em um platô.

Estamos no vale quando estamos com o físico em um nível baixo, quando não temos os atributos físicos necessários para o treinamento vigoroso definido pelo praticante de artes marciais “normal”. Quando estamos no vale, podemos não ser capazes de fazer sobre o tatame o que outros fazem, mas ainda podemos “polir o espelho” trabalhando nossa natureza interior.

Às vezes o professor preparará uma aula para dar ao aluno a oportunidade de polir o espelho. Por exemplo, o professor pode enfocar os detalhes do ataque – a postura, a extensão da energia, como manter o centro. Ou o professor pode focalizar detalhes da técnica, instruindo os alunos a usar a velocidade dentro do possível para manter a maneira correta dentro da habilidade física de cada um. Estudando ataque e defesa desta maneira, podemos aprender a técnica correta. Podemos começa a polir o espelho do Aikido dentro de nós. Podemos trabalhar na exatidão da técnica até que a realidade da técnica seja refletida em nossos corações e corpos, em nossos movimentos, e na harmonia dos relacionamentos com nossos parceiros.

Com freqüência, quando os professores ensinam dessa maneira, eu ouço os jovens leões rugirem. “Não é um treinamento realista!” eles dizem. Mas ao mesmo tempo, vejo alguns antigos guerreiros se iluminando e tendo a oportunidade de polirem o espelho. Este tipo de treinamento ajudou alguns de nós a atravessar o vale, ajudando a preparar o corpo, mente e espírito para a subida de volta à montanha.

No vale, polimos o espelho, mas na montanha, quebramos a pedra – quebramos as pontas ásperas dos egos que ficam como pedras pontudas no centro de nosso ser, causando dor. Quebrar a pedra é trabalhar duro e rápido com nossas mentes fixadas na tarefa que se apresenta.

Podemos quebrar a pedra com segurança, desde que tenhamos passado tempo suficiente polindo o espelho. Como uke e nage, trabalhamos juntos tirando as pontas ásperas. Eu me dou a você e você se dá a mim em total confiança. Eu lhe ajudo neste processo, você me ajuda, e ambos nos tornamos menos ásperos, mais felizes e melhores pelo esforço.

Continuamos a praticar polir o espelho e quebrar a pedra até que o espelho de nosso espírito seja um reflexo perfeito da verdadeira natureza, e a superfície da pedra esteja lisa como o espelho. Só então estamos em harmonia com nós mesmos e com o ambiente.

Então não se aborreça se a prática é dura e rápida, ou se é lenta e exata. Quando a prática parece errada e desconfortável, lembre-se que todos os tipos de treinamento têm uma razão de ser, e se pergunte qual é o verdadeiro valor deste treinamento.

Algumas pessoas que tem muita força física apenas quebram a pedra. Eles se esquecem de polir o espelho, ou não vêem utilidade nisso. Outros apenas dão polimento no espelho, e não consideram importante quebrar a pedra. Eu digo que se deve polir e quebrar com toda a sua energia. Depois você pode perder a capacidade física para quebrar ou a paciência espiritual para polir.

Se pessoas com problemas físicos chegam ao dojo, não pense que eles são menos hábeis que os outros alunos. Você pode descobrir que eles têm na verdade muita força e espírito.Eu tive alunos que não tinham membros e alunos com diversas doenças. Pela minha experiência, apesar deles poderem apenas aprender poucas técnicas, eles entendiam realmente o valor do que aprendiam. Eles compreendem o conceito de polir o espelho e quebrar a pedra, e sabem quando fazer cada uma destas coisas.

Um amigo meu que é professor de Karate tem um tornozelo artificial e pinos de aço no lugar de ossos da perna. Seu joelho tem cicatrizes da cirurgia. Quando o vejo na aula de Aikido sentado em seiza, eu sei que ele paga um preço muito mais alto que os outros alunos no tatame. Como muitos que encontramos no tatame de Aikido hoje, ele passou a juventude quebrando a pedra. Hoje, com humildade, usando a faixa branca, ele vem ao treino de Aikido para polir o espelho. Então eu aviso aos jovens leões que demonstram intolerância com os que não são tão ágeis ou atléticos: quando você pensar que está treinando com um parceiro ruim, você pode de fato ter um guerreiro na sua frente.

Professores: se vocês se interessam, aceitem o desafio de ensinar estas pessoas excepcionais. Pelo que eu entendo, O’Sensei desenvolveu o Aikido para todos, não apenas para que são fisicamente corretos.