A era do Kobukan Dojo

Por Stanley Pranin
Tradução – Jaqueline Sá Freire (Hikari Dojo – RJ)

Introdução
Em Abril de 1931, Morihei Ueshiba, o fundador do aikido, abriu um dojo particular na área de Shinjuku em Tókio chamada de “Kobukan”. Este dojo serviu como centro das atividades do fundador por mais de uma década e isso é intimamente relacionado com o subseqüente nascimento do aikido, a arte marcial espiritual do Japão.
Durante o período Kobukan, Morihei Ueshiba esteve próximo da elite da sociedade Japonesa, ligado às pessoas mais importantes dos círculos militares, políticos, religiosos e do mundo dos negócios. Apesar de não ter motivação política, Morihei ensinava e interagia com muitos dos líderes daquela época, homens que tinham um profundo respeito por suas incríveis habilidades marciais e que determinariam o destino do Japão quando o país se encaminhava para a guerra no continente e no Pacifico.

Restored by Whitney Hansen on 11/21/01, Paid $30 for job.
Retrato Formal de Morihei Ueshiba tirado dentro do Kobukan Dojo por volta de 1935. restauração fotográfica feita por Whitney Hansen.

Neste curto período de tempo, Morihei trabalhou com um aparentemente impossível horário de aulas que o fazia ir de um lado para o outro por toda Tókio e por Kansai a cada mês. Suas atividades e vitórias durante este tempo são tão numerosas e tão fundamentais para o surgimento do moderno aikido que este tópico merece uma observação cuidadosa. Para isso, proponho dividirmos nosso estudo em duas partes.
A primeira parte nesta edição do Aiki News cobre as atividades de Morihei em Tókio que o levaram a abertura do Kobukan Dojo, a inauguração do dojo, as pessoas que foram mais importantes, a busca pelo sucessor de Morihei, o Budo Senyokai, e expansão da área de Kansai, e finalmente o Segundo Incidente Omoto e suas conseqüências.
A segunda parte a ser publicada na Aiki News 132 vai discutir as associações militares e políticas de Morihei, o aiki budo na Manchúria, o estabelecimento do Zaidan Hojin Kobukai, o Dai Nippon Butokukai e o batismo com o nome de aikido, os uchideshi do período da guerra e a técnica e os sistemas de graduação de Morihei.

As atividades de Morihei de 1925-1931
O Kobukan Dojo foi estabelecido depois de Ueshiba ter passado cerca de seis anos ensinando em vários locais temporários na área de Tókio. Suas ligações com Tókio ocorreram principalmente devido aos esforços do almirante Isamu Takeshita, um entusiasta de longa data por artes marciais. O relacionamento entre Takeshita e Ueshiba começaram como resultado da apresentação de outro oficial da marinha, Sub-almirante Seikyo Asano. Asano era da religião Omoto e começou a praticar Daito-ryu Aiki Jujutsu com Morihei em Ayabe em 1922. Completamente imerso no estudo do Daito-ryu de Morihei, Asano o recomendou a Takeshita, seu colega de classe na Academia Naval de Tókio.

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Almirante Isamu Takeshita (1869-1949), patrono e ávido aluno de Morihei Ueshiba

Takeshita viajou para Ayabe em 1925 para conhecer o budo de Ueshiba, e saiu de lá totalmente convencido de que Ueshiba era um excepcional artista marcial. Após retornar a Tókio, ele fez uma brilhante recomendação a favor de Ueshiba ao aposentado almirante Gombei Yamamoto—que também foi primeiro ministro por duas vezes—e isso levou a uma apresentação publica diante de uma platéia selecionada na residência de Takeshita. Daí em diante, o almirante Takeshita teve um papel ativo na promoção das atividades de Ueshiba na elite da sociedade de Tókio. Morihei fez diversas visitas a Tókio vindo de Ayabe para apresentar seminários. Isso fez com que muitos oficiais militares, oficiais do governo e pessoas abastadas se tornassem devotados ao estilo de Jujutsu de Ueshiba.
Após a mudança de Morihei para Tókio em 1927, ele deu aulas, ajudado por seu sobrinho Yoichiro Inoue, em diversos lugares temporários. Os treinamentos primeiro foram em Shiba, em Shirogane, depois em Mita Tsuna-cho, seguido por Shiba Kuruma-cho, e finalmente, em 1930, em Mejiro. A reputação de Morihei se espalhou de boca em boca até que não cabiam mais alunos nestas pequenas áreas de treinamento. Sob estas circunstâncias, era necessária uma solução permanente.
Logo o círculo dos patronos de Ueshiba juntou doações para construírem um dojo de horário integral. Entre os que contribuíram para os fundos do dojo estava um certo Koshiro Inoue, que era parente de Morihei por casamento. O irmão de Koshiro, Zenzo, tinha se casado com a irmã mais velha de Morihei, Tame no fim de 1800, em sua cidade natal de Tanabe na prefeitura de Wakayama. O casal teve oito filhos e o quarto foi um rapaz chamado Yoichiro. O tio de Yoichiro, Koshiro construiu sua fortuna em Asakusa, em Tókio, em 1890, por volta da época da guerra Sino-Japonesa. Yoichiro— sobre quem ouviremos mais depois – era, claro, também sobrinho de Morihei e seu aluno mais próximo naquele tempo. Yoichiro frequentemente pedia a Koshiro fundos para as atividades de budo de Morihei e os parentes disseram que Koshiro fez grandes doações para a construção do Kobukan Dojo.

Jigoro Kano, Fundador do judo (1860-1938)
Jigoro Kano, Fundador do judo (1860-1938)

Após juntar doações suficientes e com a ajuda da rica família Ogasawara, Morihei conseguiu comprar um terreno no distrito de Ushigome, em Shinjuku. A mudança para Mejiro foi temporária enquanto a construção do novo dojo era completada. Foi durante o período de Mejiro que o fundador do judo, Jigoro Kano, fez uma visita especial para observar uma demonstração de Morihei. Muito impressionado, Kano enviou dois de seus melhores alunos—um dos quais era Minoru Mochizuki— para participarem de um treinamento intensivo com Ueshiba. Outro memorável evento do período Mejiro foi a visita do General Makoto Miura que foi ao Mejiro dojo para desafiar Morihei. Miura tinha sido aluno de Sokaku Takeda uns vinte anos antes, e considerava Morihei um arrivista presunçoso que tinha se afastado do caminho do Daito-ryu. Mas o General ficou indefeso contra a técnica de Morihei e acabou se tornando seu aluno por muito tempo e seu apoiador.
A abertura do Kobukan Dojo
Antes de descrever a grande abertura do dojo de Morihei em Tókio, devemos mencionar que um evento bastante incomum aconteceu bem antes da cerimônia de inauguração. 0 instrutor de Daito-ryu jujutsu de Morihei, o famoso Sokaku Takeda, deu um seminário no novo dojo de 20 de Março a 7 de Abril de 1931. Isso é sabido por que há uma anotação com o nome de Morihei e seu selo nestas datas no livro de registros de Sokaku (eimeiroku). Certamente, Sokaku sabia com antecedência sobre a abertura do dojo particular de Morihei porque os dois mantiveram correspondência através dos anos. Mas nenhuma das circunstâncias desta visita ao Kobukan Dojo nesta ocasião são conhecidas. Sokaku visitou Morihei periodicamente de 1920 até meados de 1930, às vezes sem nem avisar. O relacionamento entre os dois ficou difícil quando Morihei se lançou como instrutor de budo. Morihei tinha sido certificado como instrutor de Daito-ryu aikijujutsu em 1922, mas os arranjos financeiros entre os dois permaneceram um tanto vagos e isso foi um ponto de discórdia. Por todo esse período de sua carreira, Morihei avançou no processo de modificar as técnicas do Daito-ryu para que se tornassem movimentos mais fluidos, menos parecidos como jujutsu, que caracterizariam seu aikido.

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Anotações do livro de registros de Sokaku Takeda datado de 7 de Abril de 1931.


A cerimônia oficial de abertura ocorreu no fim de Abril de 1931, após Sokaku ter deixado Tókio e foi recebido por muitos dignitários, inclusive vários oficiais de alta patente do exército e da marinha. Existe uma rara foto em grupo que preserva um registro das pessoas presentes naquela ocasião. Entre as pessoas presentes estavam o almirante Isamu Takeshita, General Makoto Miura, sub-almirante Seikyo Asano, Almirante Sankichi Takahashi, Dr. Kenzo Futaki, Harunosuke Enomoto, e o Comandante aposentado Kosaburo Gejo. Alguns dos uchideshi e alunos de Morihei que estavam presentes, entre eles Yoichiro Inoue, Hisao Kamada, Minoru Mochizuki, e Hajime Iwata. A esposa de Morihei, Hatsu e seu filho Kisshomaru também estavam lá. Uma caligrafia horizontal pintada por Onisaburo Deguchi— mentor espiritual de Morihei — em que se lê “Ueshiba Juku” está colocada no tokonoma do dojo. Esta mesma caligrafia foi colocada na parede da primeira escola de Morihei, o “Ueshiba Juku,” localizado na residência de Ueshiba em Ayabe no início dos anos 20.

Grande inauguração do Kobukan Dojo, Abril de 1931. Na fila, terceira a partir da esquerda, Hatsu Ueshiba, Kisshomaru Ueshiba; sentados ao centro, Morihei Ueshiba, Almirante Seikyo Asano, Almirante Isamu Takeshita, General Makoto Miura.
Grande inauguração do Kobukan Dojo, Abril de 1931. Na fila, terceira a partir da esquerda, Hatsu Ueshiba, Kisshomaru Ueshiba;
sentados ao centro, Morihei Ueshiba, Almirante Seikyo Asano,
Almirante Isamu Takeshita, General Makoto Miura.

A área de treinamento do Kobukan Dojo consistia de um espaço de 80 tatamis e a estrutura também alojava a família de Ueshiba e a área em que viviam os uchideshi. Kisshomaru disse que cerca de 20 uchideshi podiam ser acomodados no dojo ao mesmo tempo. A estrutura funcionou por muitos anos e sobreviveu aos bombardeios dos tempos de Guerra de Tókio quando a maioria dos prédios das redondezas foram queimados, graças aos esforços de Kisshomaru. Ele funcionou como dojo-quartel general da Aikikai até 1968, quando o prédio foi demolido para dar lugar ao atual Aikikai Hombu Dojo. A atual residência da família Ueshiba é no local que foi anteriormente ocupado pelo Kobukan Dojo.
Após a abertura de seu dojo, Morihei recebeu a visita de líderes da religião Omoto. Hidemaro Deguchi e sua esposa Naohi— a esposa e o genro de Onisaburo— fizeram diversas visitas ao Kobukan nesta época. Uma foto comemorativa de uma destas visitas ainda existe e é interessante notar que a caligrafia colocada no tokonoma foi trocada após a cerimônia de abertura. Vários trabalhos de Hidemaro, um hábil calígrafo, foram colocados em demonstração, certamente em homenagem aos importantes visitantes da Omoto.
Treinamento no novo dojo

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Visita de Naohi e Hidemaro Deguchi da religião Omoto ao Kobukan Dojo, 1931. Fileira frontal, no centro: Naohi Deguchi, Hidemaro, e Morihei Ueshiba

O novo dojo foi muito utilizado, e normalmente havia aulas em duas manhãs e tres tardes no dojo, e os uchideshi tinham a oportunidade de praticar em outros horários durante o dia. Os instrutores eram relativamente poucos e consistiam, frequentemente, de pessoas que tinham sido instruídos por ao menos dois importantes professores. Outra fonte de alunos, especialmente entre os uchideshi, eram pessoas com conexões com a Religião Omoto.

Demonstração de Morihei no Kobukan Dojo, c. 1931
Demonstração de Morihei no Kobukan Dojo, c. 1931

O estilo de ensinar de Morihei tinha muita ação e poucas palavras. Ele executava as técnicas em rápida sucessão com quase nenhuma explicação. Seu método de ensino não era nada sistemático. Yoshio Sugino, o famoso mestre de Katori Shinto-ryu, que estudou no Kobukan Dojo por cerca de dois anos, começando em 1931, descreveu como era a aula dada pelo fundador:
“Ueshiba Sensei, diferentemente dos instrutores presentes no Aikikai Hombu Dojo, ensinava as técnicas mostrando os movimentos rapidamente, apenas uma vez. Ele não dava explicações detalhadas. Mesmo quando lhe pedíamos que mostrasse novamente uma técnica, ele respondia, ‘Não. Próxima técnica!’ Apesar de ele nos mostrar tres ou quatro técnicas diferentes, ele queria ver a mesma técnica várias vezes. Acabamos tentando “roubar” as técnicas dele”. [de uma entrevista ao Aiki News em 1984]
Estas são as lembranças de um dos primeiros uchideshi de Morihei, Hisao Kamada:
“Sensei usava com freqüência o termo ‘irimi’. Esta é uma técnica que não existe no judo. Acredito que ela vem do Daito-ryu aikijujutsu, mas não conheço muito sobre Daito-ryu. Ueshiba Sensei sempre dizia, “Você deve entrar dentro do seu parceiro de treinamento. Entre dentro dele e leve-o para dentro de você!”. Ele começava com ikkajo, nikajo, e suwariwaza. Eu acho que ele não usava o termo “kukinage” (kukinage: literalmente, “arremesso pelo ar”; uma popular técnica do judo naquele período). Havia técnicas como o yonkajo, mas estas eram formas de treinamento do corpo. Mas creio que quando as usamos como técnicas aplicadas (oyowaza), se torna uma questão de espírito. O básico ia até gokajo, e depois disso havia técnicas aplicadas”. [de uma entrevista ao Aiki News em 1981]
Os jovens uchideshi davam o ritmo do treinamento e a prática era intensa. Havia muito poucas mulheres treinando naquele tempo. Uma que se destacava era Takako Kunigoshi, que era uma jovem estudante da arte. Ela é lembrada principalmente por seu importante trabalho ao rascunhar trezentos desenhos usados no manual de treinamento Budo Renshu publicado em 1933.
Esta forma “antiquada” estereotipada de ensinar também foi descrita pelo Sr. Kunigoshi:
“Não importa o que lhe era perguntado, acho que ele sempre tinha a mesma resposta. De qualquer forma, ninguém lá conseguia compreender as coisas que ele dizia. Acho que ele estava se referindo a assuntos espirituais, mas o significado de suas palavras estava além de nossa compreensão. Depois, perguntávamos uns aos outros, ‘Mas sobre o que o Sensei estava falando?’”
O “onipresente” sobrinho de Ueshiba, Yoichiro Inoue

Yoichiro Inoue, Tanabe, c. 1946
Yoichiro Inoue, Tanabe, c. 1946

Nenhuma discussão sobre este período das atividades de Morihei estaria completa sem a freqüente menção ao papel de seu sobrinho Yoichiro Inoue. Inoue, que era 19 anos mais jovem que Ueshiba, passou parte de sua infância em Tanabe e em Hokkaido, crescendo no ambiente da família Ueshiba. Ele treinou com Sokaku Takeda tanto quanto seu tio e se estabeleceu em Tókio por volta de 1925, antes da vinda de Ueshiba de Ayabe. Desde muito jovem, Yoichiro auxiliava seu tio como seu parceiro de treinamento e de demonstrações. No início, em Tókio especialmente, Yoichiro dava aulas como representante de Ueshiba e substituía o fundador, que estava doente com freqüência.
Inoue aparece nas fotos que restaram da época do Kobukan e sua importância para o desenvolvimento do aikido não pode ser subestimada. Mas quis o destino que ele se afastasse do tio logo após o Segundo incidente Omoto, que ocorreu em Dezembro de 1935. Apesar de ambos se apresentarem juntos ocasionalmente em demonstrações depois disso, eles se afastaram e apenas se encontraram raramente depois da segunda Grande Guerra. Apesar de sua ligação e de seus laços de sangue, as mágoas entre Morihei e Yoichiro nunca deixaram de existir e eles não conseguiram mais trabalhar juntos. Os livros escritos sobre a história do aikido ignoraram as contribuições de Inoue quase completamente e omitiram a menção ao relacionamento familiar que existe entre as famílias Ueshiba e Inoue.
A busca por um sucessor
Desde antes do período Kobukan, uma das preocupações de Morihei foi a busca por um bom sucessor, a quem ele pretendia casar com sua única filha, Matsuko. Existem várias histórias curiosas sobre diversos candidatos da área das artes marciais com quem Morihei discutiu sua idéia. Entre eles se incluem Kenji Tomiki, Minoru Mochizuki, e Yoshio Sugino. Parece que antes os Ueshiba e a família Inoue pensaram na possibilidade de que Yoichiro poderia se casar com Matsuko, apesar de eles serem primos em primeiro grau. Na verdade, isso era uma prática comum na época anterior à Guerra, e parece que mesmo Morihei e sua esposa Hatsu, ambos de Tanabe, eram primos distantes.

Kiyoshi Nakakura, filho adotivo de Morihei Ueshiba, conhecido como “Morihiro Ueshiba,” 1932
Kiyoshi Nakakura, filho adotivo de Morihei Ueshiba, conhecido como “Morihiro Ueshiba,” 1932

Finalmente em 1932, Kiyoshi Nakakura, um dos principais kendoka do Japão e aluno de Hakudo Nakayama, concordou em se casar com a filha de Morihei. Os arranjos foram feitos com Morihei e Nakayama como intermediários. A cerimônia ocorreu naquele ano e Nakakura foi adotado pela família Ueshiba, assumindo o nome de “Morihiro Ueshiba”. O fundador não apenas tinha um sucessor, mas este era um grande espadachim que estimulou seu crescente interesse pelo estudo da espada.
Nakakura permaneceu no Kobukan Dojo por cerca de cinco anos. Devido a sua presença, um grupo de kendo foi formado dentro do Kobukan, chegando a participar de competições. Mas, Nakakura, que antes de tudo era um kendoka, achou muito difícil dominar as sutilezas do jujutsu de Morihei, e gradualmente percebeu que não seria um sucessor adequado. Seu casamento terminou em 1937, quando Nakakura retornou para o mundo do kendo.
Apos esses fatos, o problema de quem poderia suceder Morihei novamente se tornou uma questão em aberto. Muitos acreditaram que seu sobrinho Yoichiro se tornaria o sucessor, devido ao longo período na colaboração da divulgação do aikibudo e seus laços de família com Morihei. Mas o filho de Morihei, Kisshomaru, começou o seu treinamento em meados da década de 1930 e gradualmente começou a ser o parceiro de seu pai, especialmente em demonstrações de espada. Quando Morihei se afastou para Iwama em 1942, Kisshomaru, que naquela época era um estudante da Universidade de Waseda, assumiu como líder (dojo-cho) do Kobukan Dojo. Quando o fundador faleceu em 1969, Kisshomaru formalmente sucedeu seu pai como Segundo Doshu.
Outras atividades educacionais
O Kobukan era uma base fixa para Morihei em suas atividades anteriores à guerra, mas ele estava constantemente em movimento. Quem estudar a vida do fundador durante estes anos—e mesmo em sua última década—nota a grande freqüência de suas viagens pelas áreas de Tókio, Kansai, e Wakayama.
As obrigações de Morihei em Tókio por si só o mantinham extremamente ocupado. Além de ensinar no Kobukan Dojo, ele dava aulas e fazia demonstrações em diversos lugares, em clubes, e em certas ocasiões, em residências. Mas suas principais atividades externas envolviam aulas em diversas instituições militares. Estas posições importantes lhe vieram devido a sua grande rede de contatos entre oficiais de alta patente do exército e da marinha.

Morihei dando aulas na escola do Exército Toyama, c. 1931. Ueshiba é o oitavo sentado a partir da esquerda.
Morihei dando aulas na escola do Exército Toyama, c. 1931.
Ueshiba é o oitavo sentado a partir da esquerda.

Apesar de ser difícil indicar as datas especifica e as circunstâncias de sua carreira como instrutor militar, oferecemos abaixo uma lista de aproximada de seu trabalho:
Colégio do grupo Naval (Kaigun Daigakko), c. 1927-1937, através de seus contatos com os Almirantes Isamu Takeshita e Sankichi Takahashi.
Universidade do exército (Rikugun Shikan Gakko)
Escola de Policia Militar (Kempei Gakko), datas desconhecidas, apresentado pelo General Makoto Miura.
Escola de Toyama (Rikugun Toyama Gakko), c. 1930-?, Possivelmente através de uma conexão com o General Miura.
Escola de espionagem de Nakano (Rikugun Nakano Gakko), c. 1941-1942, através de uma conexão com o General Miura.
Além disso, registros de datas desconhecidas de breves períodos na escola naval de Engenharia (Kaigun Kikan Gakko), na escola Naval de Comunicações de Yokosuka (Kaigun Tsushin Gakko), e na escola Técnica de Torpedos (Kaigun Suirai Gakko).
Os cargos de ensino em escolas militares aqui anotados cobriram o período de 1927 a 1942, quando Morihei se afastou para Iwama. Um olhar na lista acima apresenta uma evidência bastante convincente das extensas ligações de Morihei a personagens militares da ala direita e com suas atividades. Discutiremos mais esse assunto, na segunda parte.
Deve ser notado que com todas essas enormes responsabilidades de ensino, o fundador era forçado a contar com um grande grupo de assistentes para responder por todas essas atribuições. Yoichiro Inoue era o mais antigo desse grupo e compartilhava os deveres de instruções durante os anos iniciais em Tókio, mas como estabelecimento do Budo Senyokai, as atividades de Yoichiro mudaram para a área de Kansai. Assim Morihei teve que usar o apoio de seus principais uchideshi—pessoas como Hisao Kamada, Kaoru Funahashi, Shigemi Yonekawa, Tsutomu Yukawa, e Rinjiro Shirata.
Estabelecimento do Budo Senyokai
Apesar de Morihei ter se distanciado fisicamente da Religião Omoto com sua mudança para Tókio em 1927, ele ainda manteve estreitas ligações com os membros e com os líderes da seita. Em Agosto de 1932, com o apoio de Onisaburo Deguchi, foi criada uma associação para a promoção das artes marciais chamada Dai Nippon Budo Senyokai. Onisaburo já tinha antes criado numerosas organizações auxiliares sob a sombra da Religião Omoto, em uma tentativa de executar tarefas especificas para a propagação da seita. Essa associação foi feita sob medida para apoiar os esforços de Morihei para desenvolver seu budo e também serviu ao propósito de demonstrar o papel patriótico da Religião Omoto.

Morihei Ueshiba, Sumiko Deguchi, e Onisaburo posam diante da bandeira do Dai Nippon Budo Senyokai. de pé, à direita, está Aritoshi Murashige
Morihei Ueshiba, Sumiko Deguchi, e Onisaburo
posam diante da bandeira do Dai Nippon Budo Senyokai.
de pé, à direita, está Aritoshi Murashige

Morihei foi indicado como primeiro conselheiro do Budo Senyokai. Foram estabelecidas ramificações por todo o Japão e as sessões de treinamento ocorriam nas instalações da Omoto, mesmo em localidades distantes como a vila de Iwama na prefeitura de Ibaragi. Ao mesmo tempo, a existência do Budo Senyokai em Iwama trouxe ao Kobukan Dojo Yonekawa e Akazawa, dois dos uchideshi mais valorizados por Morihei.
O quartel general oficial da associação foi estabelecido em Kameoka, na sede administrativa da Religião Omoto, mas o grande dojo que foi aberto na cidade de Takeda, na prefeitura de Hyogo, logo se tornou o centro de treinamento verdadeiro. Vários dos uchideshi de Morihei do Kobukan Dojo de Tókio foram enviados para Takeda em várias ocasiões para treinamento intensivo e para ajudarem nas aulas. Yoichiro Inoue também teve um papel significativo como instrutor nas filiais do Budo Senyokai nas áreas de Kanto e Kansai.
Kisshomaru se lembra dos atritos que ocorreram entre os alunos de Morihei de Tókio e certos crentes da Omoto de “sangue quente”—particularmente membros do Showa Seinenkai (Associação da juventude de Showa)—que praticavam no Takeda dojo. Isso cresceu até se tornar uma rivalidade entre o Kobukan Dojo e a escola de Takeda [De Aikido Kaiso Ueshiba Morihei, pp. 223-223]

Treinamento no Budo Senyokai Takeda dojo na Prefeitura de Hyogo. à esquerda, de pé, Kiyoshi Nakakura; sexto a partir da esquerda: Morihei Ueshiba, Gozo Shioda, Kisshomaru Ueshiba, Hatsu Ueshiba. O terceiro de pé a partir da direita é Kenji Tomiki. Sentado em Segundo a partir da esquerda: Rinjiro Shirata, Tsutomu Yukawa
Treinamento no Budo Senyokai Takeda dojo na Prefeitura de Hyogo.
à esquerda, de pé, Kiyoshi Nakakura; sexto a partir da esquerda:
Morihei Ueshiba, Gozo Shioda, Kisshomaru Ueshiba,
Hatsu Ueshiba. O terceiro de pé a partir da direita é Kenji Tomiki.
Sentado em Segundo a partir da esquerda: Rinjiro Shirata, Tsutomu Yukawa

Yoichiro falou sobre o tipo de jovens da Omoto que treinaram no Takeda dojo do Budo Senyokai, somando seu ponto de vista:
“Inicialmente nós ensinávamos em Ten’onkyo em Kameoka. Eu dava aulas, mas como você sabe, aqueles praticantes de artes marciais eram todos causadores de problemas. Eu não conseguia controlá-los sempre que ia lá. Então falei com o Reverendo Deguchi sobre o problema. Ele disse: ‘Inoue, porque você não se livra deles mandando-os para Takeda?’ Para dizer a verdade, eles foram todos chutados para fora de Kameoka! Eles dizem que isso aconteceu porque o dojo foi construído em Takeda, mas essa não é a verdade. Eles foram mandados para Takeda por serem tão egoístas..” [de Aikido Masters, editado por Stanley Pranin]
Um total de 75 dojos afiliados foram eventualmente criados, dando um grande impulso aos esforços de Morihei para divulgar seu aiki budo através do Japão. Parece que algumas ramificações chegaram a ser estabelecidas no continente, e que Yoichiro e Aritoshi Murashige deram seminários na Manchúria sob ocupação Japonesa e na Korea em 1933, em conexão com o Budo Senyokai.Outras artes marciais eram também praticadas em certa extensão dentro da organização, em particular o kendo. Na verdade, Hakudo Nakayama era o consultor de kendo do Budo Senyokai, e isso se deve, sem dúvida, a sua amizade com Morihei. Mas a prática do aiki budo de Morihei era o ponto central das atividades desta organização.

A expansão para Osaka
Um dos efeitos da criação do Budo Senyokai foi o fortalecimento da rede de dojos de Morihei na região de Kansai. Coincidentemente, a pedido de Mitsujiro Ishi, na primavera de 1933, o escritório de Osaka do jornal de Asahi contratou Morihei para que ele desse aulas regulares no dojo do jornal. Ishii tinha treinado por algum tempo com Morihei em Tókio no final da década de 1920, durante o período de Mita Tsuna-cho e tinha um alto posto no escritório do jornal Tókio Asahi.
O inicio dos treinamentos no escritório do jornal Osaka Asahi foi simultâneo com a ocorrência de diversos ataques violentos por facções políticas ao jornal devido às suas posições políticas. Ishii fez arranjos para que Morihei desse aulas no jornal para que os empregados adquirissem habilidades de auto-defesa para serem usadas em caso de emergência.

O grupo do jornal de Osaka Asahi, c. 1935. Sentados da esquerda para a direita: Mitsujiro Ishii, Kenji Tomita, Takuma Hisa, Morihei Ueshiba, Hatsu Ueshiba, Kiku Yukawa. De pé, a partir da esquerda: Yoshitaka Hirota, Yoshiteru Yoshimura, Tsutomu Yukawa
O grupo do jornal de Osaka Asahi, c. 1935. Sentados da esquerda para a direita:
Mitsujiro Ishii, Kenji Tomita, Takuma Hisa, Morihei Ueshiba,
Hatsu Ueshiba, Kiku Yukawa. De pé, a partir da esquerda:
Yoshitaka Hirota, Yoshiteru Yoshimura, Tsutomu Yukawa

A figura principal no dojo do jornal de Asahi News era Takuma Hisa, que antes tinha trabalhado no escritório de Tókio como diretor de segurança. Em 1933, Hisa foi promovido e transferido para Osaka e assim foi uma escolha lógica para supervisionar o dojo de Asahi, devido ao seu histórico e seu amor pelas artes marciais.
Morihei então passava uma semana de cada mês— alguns registros dizem duas semanas – em Osaka, dando aulas no dojo de Asahi e em outros lugares que surgiram na mesma época. Vários uchideshi do Kobukan Dojo logo foram encaminhados para Osaka. Entre estes estavam Tsutomu Yukawa, que se casou e se estabeleceu em Osaka por volta de 1934, Kaoru Funahashi, Shigemi Yonekawa, e Rinjiro Shirata. Como nesta época Yoichiro Inoue estava próximo, em Kameoka, ele provavelmente foi o primeiro dos assistentes de Morihei a ensinar em Osaka.
Assim, pelos meados da década de 1930, Morihei estava ocupado indo e vindo entre Tókio e Osaka e, como vimos, ele teve um grande número de dojos afiliados através do Japão, devido às suas operações no Budo Senyokai.
Em Junho de 1936, diversos eventos levaram Sokaku Takeda a liberar Morihei de seus deveres como professor do dojo do jornal de Asahi. Quem estiver interessado nos detalhes deste episódio pode buscar meu artigo intitulado Remembering Takuma Hisa, publicado no Aiki News 129. Apesar do fato de não mais dar aulas no jornal de Asahi, Morihei continuou suas visitas regulares a Osaka, dando aulas em outros lugares, com a supervisão de seus uchideshi. Por um tempo, Morihei chegou a manter uma residência em Osaka, e ele e sua esposa passavam bastante tempo lá.
O Segundo Incidente Omoto
Em 1935, as autoridades do governo Japonês ficaram cada vez mais irritadas com as atividades ampliadas da Religião Omoto, que tinha surgido como uma fênix das cinzas da brutal repressão de 1921, conhecida como o primeiro Incidente Omoto. A seita tinha então cerca de dois milhões de adeptos e estava rapidamente ganhando influência. Além das muitas atividades domésticas da seita que incomodaram o governo, Onisaburo estava fortemente envolvido nos acontecimentos na Manchuria e apoiava uma nação independente sob as ordens de Pu’yi, o “Ultimo Imperador” famoso pelo filme. Além disso, Onisaburo era suspeito de desviar grandes somas de dinheiro para diversas causas de direita, incluindo as atividades de Mitsuru Toyama e de Ryohei Uchida. Falaremos mais sobre o assunto posteriormente.

Onisaburo em Matsue, um dia antes de sua prisão.
Onisaburo em Matsue, um dia antes de sua prisão.

As ações agressivas da Showa Shinseikai, uma nova organização estabelecida por Onisaburo em Julho de 1934, podem ter sido a “gota d´agua” para o governo Japonês. Pessoas proeminentes como Toyama, Uchida, políticos importantes, oficiais do exército e da marinha, e muitos líderes do mundo dos negócios e outros campos estiveram presentes na imponente cerimônia inaugural do Shinseika, feita em Tókio. A organização apoiou a ampla meta de “amor e união universal” (jinrui aizen) e de promover o “Sagrado pensamento Imperial”.
Ao descrever o propósito do Shinseikai um ano após sua fundação, Onisaburo escreveu:
“O Showa Shinseikai é a mudança da ordem de “espirito subordinado à carne” para “corpo subordinado ao espírito”, um novo recomeço que o coloca em um caminho glorioso de acordo com os princípios dos céus …. O espírito familiar do amor verdadeiro se expandirá ao estado para que nasça um brilhante Japão, baseado no espírito de uma grande família, e isso se difundirá mais até cobrir toda a humanidade e toda a criação terrena”. [de Deguchi Onisaburo Kyojin, por Kyotaro Deguchi]
No final de 1935, as autoridades imaginaram um plano secreto para destruir a religião de uma vez por todas. Um ataque surpresa em larga escala foi lançado contra os centros da Omoto em Ayabe e em Kameoka antes do amanhecer em 8 de Dezembro de 1935. Onisaburo, sua esposa, Hidemaro Deguchi, Uchimaru Deguchi e muitos outros líderes da Omoto líderes foram presos.
Morihei, também, estava entre os líderes da Omoto a quem as autoridades planejaram prender. Naquele momento ele estava em Osaka. Ele foi avisado sobre o desbaratamento da seita por seu aluno, o Chefe de Policia de Osaka Kenji Tomita, e foi mantido em segurança e escondido. Rinjiro Shirata, que tinha sido uchideshi da Kobukan, e estava dando aulas em Osaka na época, descreve este episódio em uma entrevista de 1984:
“O quartel de policia de Kyoto mandou uma ordem para a Policia de Osaka para a prisão de Morihei, porque ele era um membro da liderança da Religião Omoto. Foi súbito, mas houve um aviso com antecedência. Um homem chamado Kenji Tomita, que era Chefe da Polícia de Osaka, e era um ardente admirador de O-Sensei. Ele acreditava que seria impossível que O-Sensei fosse acusado de lesa majestade, e apesar de ser membro da Religião Omoto, ele devotava sua vida ao budo. Mesmo assim, a policia de Kyoto disse que se a policia de Osaka não prendesse Ueshiba Sensei, eles enviariam seus próprios oficiais de Osaka para prendê-lo.”
Ueshiba Sensei foi imediatamente avisado. Havia um jovem chamado [Giichi] Morita, que era chefe da estação da Policia de Sonezaki, que era grande admirador de O-Sensei. Ele protegeu Ueshiba Sensei em sua própria casa até que a tempestade se abrandou. A policia veio de Kyoto a sua procura, mas como ele estava na casa do chefe de policia, não conseguiram encontrá-lo, nem em Tókio, em Osaka, ou em Wakayama! “
De volta a Tókio, as autoridades também atacaram o Kobukan Dojo de Morihei, em conexão com a supressão da Omoto. Kiyoshi Nakakura lembra o que aconteceu:
“A esposa de Ueshiba Sensei, Hatsu, também estava lá [em Osaka]. Eu estava em Tókio. Kisshomaru também estava lá. Havia no Ueshiba Dojo santuários dedicados a deidades da Omoto e muitas caligrafias emolduradas feitas pelo Reverendo Onisaburo Deguchi penduradas nas paredes. O Sr. Ueshiba as considerava muito valiosas. Mas, mesmo assim, eu as tirei das paredes e as queimei. Os uchideshi estavam surpresos e me perguntaram se isso era uma atitude certa. Mas isso não tinha nada a var com certo ou errado. Pendurar ou guardar estas coisas era um ato de lesa majestade. Se a esposa do Sr. Ueshiba estivesse presente, acho que eu não teria sido capaz de fazer isso. Só pude fazer isso porque não havia ninguém lá.”
Conseqüências do Segundo Incidente
O Segundo ataque ao santuário foi feito com a determinação de “desaparecer inteiramente com a Omoto” e teve conseqüências para Morihei, profissionalmente e pessoalmente. A rede do Budo Senyokai de dojos afiliados foi imediatamente desfeita, apesar de aparentemente alguns grupos terem continuado o treinamento, se mantendo ocultos. Morihei não podia mais se associar abertamente com os seguidores da Omoto, nem deixar a vista imagens ou símbolos ligados à religião. O incidente e suas conseqüências causaram grande abalo a Morihei e à sua vida, que tinha sido centrada na Omoto por cerca de 15 anos, e ele tinha grande estima por Onisaburo.
Morihei sofreu muito em um nível pessoal, pois muitos dos lideres da seita consideraram muito estranho que Morihei escapasse da prisão, tendo em vista sua alta posição dentro da religião e por sua liderança do Budo Senyokai. Eles o viam como um “Judas”, um traidor da causa da Omoto. Esta reação de parte dos líderes da Omoto talvez também estivesse relacionada à rivalidade que existia dentro doTakeda dojo do Budo Senyokai entre os uchideshi do Kodokan Dojo e os praticantes da Omoto.
Até mesmo seu próprio sobrinho,Yoichiro culpou Morihei por não ter compartilhado o destino dos corajosos líderes da Omoto que foram aprisionados; alguns deles foram torturados. Surgiu um distanciamento em seu relacionamento, e mesmo com suas ocasionais associações no ano de 1942, foi isso o que eventualmente os distanciou.

Principais alunos do período Kobukan

Noriaki Inoue, Prefeitura de Wakayama, 1902-1994

Yoichiro Inoue
Yoichiro Inoue

Noriaki Inoue era sobrinho de Morihei Ueshiba, e foi criado junto com a família Ueshiba, primeiro em Tanabe e depois em Shirataki, Hokkaido. A maior parte do treinamento de Inoue em artes marciais ocorreu sob a tutela de Morihei Ueshiba em Hokkaido, Ayabe, e em Tókio. Inoue trabalhava em Tókio como instrutor assistente de Ueshiba, começando nos meados da década de 1920, continuando através do período de criação do Kobukan Dojo. Posteriormente, de 1932 a 1935, ele foi instrutor do Budo Senyokai, localizado em Kameoka. Inoue também ensinou aiki budo em várias localidades de Osaka.
Inoue se afastou de Ueshiba Sensei após os eventos do Segundo Incidente Omoto, e depois disso eles se encontraram em raras ocasiões. Ele deu aluas de forma independente depois da Guerra, em Tókio, chamando sua arte no início de aiki budo. Depois ele mudou o nome para Shinwa Taido, e, depois, para Shinei Taido. Ele permaneceu em atividade, ensinando um pequeno número de alunos até pouco antes de seu falecimento, em 1994.

Kenji Tomiki, Prefeitura de Aikita, 1900-1979

Kenji Tomiki

Kenji Tomiki
Kenji Tomiki

Tomiki começou seu treinamento com Morihei em 1926 em Ayabe, e continuou no final da década de 1920 e no início dos anos 30 em Tókio. Após se tornar professor, Tomiki passou a usar suas ferias de verão e de inverno para treinar em Tókio com o fundador. Por ter boa educação e ser um bom calígrafo, Tomiki também ajudava com as diversas tarefas administrativas no Kobukan. Por exemplo, ele editou o manual técnico Budo Renshu em 1933.
Tomiki se mudou para Shinkyo, Manchuria, aonde ensinou no Daido Gakuin e na academia de Treinamento da Policia Militar, e depois na Universidade de Kenkoku. Ele recebeu o primeiro 8o dan de Morihei em 1940. Preso na Manchúria no final da Segunda Guerra mundial, Tomiki ficou detido na União Soviética por tres anos antes de ser repatriado em 1948.
Em 1949, Tomiki entrou para a faculdade da Universidade de Waseda, aonde ensinou judo e depois aikido. Ele também deu aulas no Aikikai Hombu Dojo do início até meados dos anos 50. Posteriormente, Tomiki criou um sistema de aikido competitivo conhecido como “Aikido Kyogi” ou como “Tomiki aikido”. Ele continuou a refinar seu sistema em sua sede na Universidade de Waseda até sua morte, em 1979.

Hisao Kamada, Prefeitura de Wakayama, 1911-1986

Hisao Kamada

Hajime Iwata
Hisao Kamada

Hisao Kamada nasceu em uma família de seguidores da Omoto. Ele entrou para o dojo particular de Morihei Ueshiba em Sengakuji, Takanawa, em 1929. Ele era um dos uchideshi mais antigos do Kobukan Dojo, aonde tinha funções religiosas. Em 1932, Kamada foi enviado como instrutor para o Budo Senyokai em Kameoka e em Takeda.
Kamada entrou para o exército Imperial Japonês em 1933. Após seu afastamento do exército em 1936, ele se mudou para Shanghai, aonde trabalhou com a venda de gelo e foi assistente de Hajime Iwata, que mantinha um dojo lá. Após a guerra não mais praticou o aikido, e viveu em Osaka, aonde trabalhou como comerciante de objetos de couro. Em 1977 se mudou para a cidade de Ueda, em Nagano, aonde faleceu em 1986.

Hajime Iwata, Prefeitura de Aichi em 1909 [também Kazuya e Ikkusai]

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Hajime Iwata

Hajime Iwata entrou para o dojo particular de Morihei Ueshiba em Mejiro em 1930, apresentado pelo Dr. Kenzo Futaki. Ele foi um uchideshi do Kobukan Dojo enquanto estudava direito na Universidade de Waseda. Após se graduar, Iwata se tornou empregado da companhia de Gás de Tókio até 1939, quando partiu para Shanghai, aonde editou uma publicação chamada Toda Shanghai. Em 1940 ele abriu uma filial do dojo de Kobukai, aonde teve a assistência de Hisao Kamada.
Apos a guerra, Iwata retornou para o Japão e depois passou a ensinar aikido na Prefeitura de Aichi. Ele era um 9o dan, e foi um dos poucos instrutores em atividade do período anterior à guerra a dar aulas após a guerra. Iwata também recebeu a medalha do Nihon Budo Kyogikai por suas contribuições às artes marciais.

Minoru Mochizuki, Prefeitura de Shizuoka, 1907

Minoru Mochizuki
Minoru Mochizuki

Minoru Mochizuki começou seu treinamento em artes marciais ainda criança, praticando tanto judo quanto kendo. Ele progrediu rapidamente e em 1925 entrou para o Kodokan, aonde se tornou um judoca de primeira linha. Sob os cuidados de Jigoro Kano, Mochizuki se tornou membro do Kobudo Kenkyukai, uma organização estabelecida dentro do Kodokan para o estudo de artes marciais clássicas, aonde ele praticava Katori Shinto-ryu. Posteriormente, em 1930, ele foi enviado por Kano para estudar aikijujutsu com Morihei Ueshiba. Mochizuki se tornou uchideshi no Kobukan Dojo por um curto período, e depois abriu seu próprio dojo na Cidade de Shizuoka, em Novembro de 1931.
Mochizuki depois passou oito anos na Mongolia, aonde recebeu treinamento em karate. Em 1951, ele viajou para a França para ensinar judo e também aikido, e foi o primeiro a difundir a arte na Europa. Mochizuki criou um sistema marcial composto, chamado Yoseikan Budo, o qual inclui elementos de judo, aikido, karate, e kobudo. Ele escreveu um livro intitulado Nihonden Jujutsu em 1978. Mochizuki recebeu o 10o dan da Federação Internacional de Artes marciais e até recentemente permaneceu ativo em seu dojo particular em Shizuoka. Ele atualmente reside na França com seu filho Hiroo.

Kaoru Funahashi, Prefeitura de Tottori (c. 1913-c. 1940)

Kaoru Funahashi

Kaoru Funahashi
Kaoru Funahashi

Também vindo de uma família de seguidores da Omoto, Kaoru Funahashi entrou para o Kobukan Dojo em 1931. Ele era parente de Morihei Ueshiba. De pequena estatura, ele foi um dos uchideshi mais antigos do dojo e era conhecido por sua habilidade com ukemi. Ele foi um dos modelos que pousou para os desenhos que apareceram na edição de 1933 do manual Budo Renshu.
Funahashi foi ativo como instrutor assistente nas filiais do Budo Senyokai, incluindo um grande dojo em Takeda. Ele também deu aulas em Osaka em meados da década de 30, após o que, deixou de ser mencionado. Funahashi faleceu de uma doença pulmonar por volta de 1940.

Shigemi Yonekawa, Prefeitura de Ibaragi, 1910

Shigemi Yonekawa

Shigemi Yonekawa
Shigemi Yonekawa

Yonekawa entrou para o Kobukan como uchideshi em 1932. Ele deu aulas em diversos lugares como assistente de Morihei Ueshiba em Tókio e em Osaka. Em 1936, Yonekawa era o parceiro de Morihei Ueshiba em uma série de fotografias técnicas tiradas no Noma Dojo. Esta coleção constitui o registro mais completo das técnicas de Morihei Ueshiba de antes da guerra.
Yonekawa se mudou para a Manchuria em 1936, aonde foi assistente de Kenji Tomiki como instrutor de aiki budo. Ele foi chamado para o exército Imperial Japonês em 1944 e participou da ação em Okinawa antes de ser repatriado em 1946. Ele não mais atuou no aikido após a guerra, se estabeleceu em Tsuchiura, Prefeitura de Ibaragi, aonde passou a se dedicar à agricultura.

Tsutomu Yukawa, Prefeitura de Wakayama, 1911-1942

Tsutomu Yukawa
Tsutomu Yukawa

Tsutomu Yukawa entrou para o Kobukan Dojo em 1931, apos se graduar na escola secundária na Prefeitura de Wakayama. Ele tinha experiência em judo e era conhecido por sua grande força física. Por volta de 1934, Yukawa se casou com uma sobrinha de Morihei e se mudou para Osaka. Lá ele ensinou aiki budo no departamento de policia de Sonezaki, e depois teve um dojo particular em Osaka.
Junto com o fundador e Gozo Shioda, ele se apresentou em uma demonstração perante a família Imperial em 1941. Yukawa acompanhou Morihei à Manchuria em 1942. Pouco depois de seu retorno ao Japão, ele morreu tragicamente em Osaka como resultado de uma altercação com um soldado do exército.

Gozo Shioda, Tókio, 1915-1994

Gozo Shioda
Gozo Shioda

Filho de um famoso pediatra, Gozo Shioda entrou para o Kobukan Dojo em Maio de 1932, antes de entrar para a Universidade de Tokushoku. Ele se tornou uchideshi ainda enquanto era aluno universitário e foi assistente de aulas de Morihei Ueshiba em Tókio e em Osaka. Shioda treinou com o fundador até deixar o Japão em 1941. Durante a Guerra, ele trabalhou na China, Taiwan, Borneo, e em Celebes.
Apos a guerra, Shioda passou por um curto período de treinamento com Ueshiba em Iwama. Posteriormente, em 1952, ele começou a ensinar aikido aos empregados da Companhia de aço Nihon Kokan e em vários departamentos de policia. Em 1955, com o apoio de empresários importantes, ele criou o Yoshinkan Aikido Dojo em Tsukudo Hachiman. Shioda inaugurou a Federação Internacional de Aikido Yoshinkai, para depois espalhar para todo o mundo o estilo de aikido Yoshinkan em 1990. Ele é o autor de vários livros técnicos sobre aikido e de uma autobiografia intitulada Aikido Jinsei [Uma Vida de Aikido], publicado em 1985. Shioda tinha a graduação de 9o dan e é o fundador do aikido Yoshinkan.

Kiyoshi Nakakura, Prefeitura de Kagoshima, 1910-2000

Kiyoshi Nakakura
Kiyoshi Nakakura

Kiyoshi Nakakura começou no kendo ainda criança, e entrou para o Daidokan Dojo aos 17 anos com o plano de se tornar um profissional do kendo. Posteriormente, em Janeiro de 1930, ele se mudou para Tókio e entrou para o Yushinkan Kendo Dojo de Hakudo Nakayama. Através de seu casamento com a filha de Morihei Ueshiba, Matsuko, ele se tornou o filho adotivo do fundador do aikido, e foi designado como seu sucessor, sendo conhecido como Morihiro Ueshiba durante os cinco anos que passou no Kobukan Dojo. Posteriormente ele abandonou esta posição e seu casamento, deixando o Ueshiba Dojo para buscar sua carreira no kendo.
Nakakura teve uma carreira longa e muito bem sucedida em kendo de competição e em iaido, até seus setenta anos de idade. Nakakura era 9o dan hanshi em kendo e em iaido, e um dos principais espadachins do Japão. Ele atuou como instrutor chefe de kendo na Universidade Hitotsubashi até seu falecimento.

Aritoshi Murashige, 1895-1964

Aritoshi Murashige
Aritoshi Murashige

Aritoshi Murashige era originalmente um judoca, e também praticante de Katori Shinto-ryu no Kodokan, junto com Minoru Mochizuki. Ele entrou para o Kobukan Dojo por volta de 1932, enviado pelo Kodokan. A ênfase de Murashige era no treinamento com armas, ao invés das técnicas de jujutsu.
Murashige mas tarde se tornou um crente da Omoto, devido à sua associação com Morihei Ueshiba, e participava das atividades da Budo Senyokai. Ele foi então participar do treinamento intensivo no Takeda dojo na Prefeitura de Hyogo, e depois passou a ser instrutor para a organização Omoto. Posteriormente, Murashige ensinou na Manchuria em 1933. Após a Guerra, Murashige ensinou em Burma na década de 50 e depois na Bélgica, aonde faleceu em um acidente de carro em 1964.

Rinjiro Shirata, Prefeitura de Yamagata, 1912-1993

Rinjiro Shirata
Rinjiro Shirata

Rinjiro Shirata entrou para o Kobukan Dojo em 1933, através de ligações familiares com a Religião Omoto. Ele se tornou um dos principais uchideshi de Morihei Ueshiba, sendo seu professor assistente e dando aulas em dojos em Tókio e em Osaka até ser convocado para o exército Imperial Japonês em 1937. Shirata ficou baseado na Manchuria e em Burma durante a Guerra do Pacifico, e após ser repatriado, se estabeleceu em sua nativa Prefeitura de Yamagata.
Após uma pausa em seu treinamento de mais de vinte anos, ele voltou a dar aulas por volta de 1960. Ele assumiu diversos cargos técnicos e administrativos na Federação Internacional de Aikido e viajou para o exterior para dar aulas e para comparecer a reuniões da organização em diversas ocasiões. Em 1984, um manual de treinamento baseado nas técnicas de Shirata foi escrito por John Stevens. Shirata recebeu o 9o.dan e dava aulas em Yamagata até pouco antes de sua morte.

Takako Kunigoshi, Prefeitura de Shikoku, 1911

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Takako Kunigoshi entrou para o Kobukan Dojo em 1933, pouco antes de se graduar na Universidade feminina de Belas Artes do Japão. Uma das poucas mulheres alunas do Kobukan Dojo, ela encarava com seriedade o treinamento e tinha o respeito de Morihei Ueshiba e de seus uchideshi. Uma hábil artista, Kunigoshi fez as ilustrações técnicas para o livro de 1934, Budo Renshu, que era dado aos alunos como uma licença para dar aulas. Posteriormente ela treinou no dojo particular do Almirante Isamu Takeshita por muitos anos e deu aulas de auto-defesa para vários grupos de mulheres.
Após a Guerra, Kunigoshi não estava mais em atividade no aikido. Atualmente ela está aposentada e vive em Ikebukuro, aonde dá aulas sobre a cerimônia do chá Japonesa.

Zenzaburo Akazawa, Prefeitura de Ibaragi, 1919

Zenzaburo Akazawa
Zenzaburo Akazawa

Zenzaburo Akazawa é de uma família de seguidores da Omoto, e entrou em contato com o aiki budo devido à existência de um grupo do Budo Senyokai em Iwama, prefeitura de Ibaragi.Também era parente do uchideshi do Kobukan Dojo, Shigemi Yonekawa. Akazawa entrou para o dojo de Tókio em Abril de 1933, após se graduar na escola secundária. Após um curto período de treinamento no Kobukan, ele passou dois anos e meio em intensivo treinamento em Takeda, Prefeitura de Hyogo, no grande Budo Senyokai dojo. Depois disso, ele retornou a Tókio, aonde continuou como uchideshi até partir para a Manchuria aos 18 anos. Morihei Ueshiba e Akazawa se registraram formalmente na escola Kashima Shinto-ryu em 1937, quando o fundador do aikido se interessou pelo estudo de armas,especialmente o ken e o jo. Akazawa praticou o Kashima Shinto-ryu por cerca de um ano no Kobukan Dojo, quando os instrutores do ryuha ensinavam em visitas semanais.
Akazawa entrou para a marinha Imperial e ficou no mar por tres anos. Durante a ultima parte de seu serviço naval ele foi alistado até o final da segunda guerra mundial para ensinar aikido na Academia Naval em Etajima, na Prefeitura de Hiroshima. O pai de Akazawa ajudou Morihei Ueshiba na compra de terrenos em Iwama e foi importante na construção do Iwama Dojo e do santuário Aiki. Sem mais exercer atividades no aikido, ele vive em Iwama.

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Morihei Ueshiba 1938

Na primeira parte, vimos o dramático efeito do Segundo Incidente Omoto e suas conseqüências na vida e na psicologia de Morihei Ueshiba. Muitos dos laços que ele desenvolveu por um período de 15 anos foram instantaneamente rompidos ou afastados devido a perseguição do governo Japonês contra a Religião Omoto. Após um período escondendo-se na casa do chefe de polícia de Sonezaki, Morihei foi capaz de retornar à sua vida e às suas atividades.
Algumas coisas mudaram. O interior do Kobukan Dojo tinha sido esvaziado de todos os trabalhos de caligrafia e dos símbolos da Omoto, que foram removidos ou destruídos, e não ocorriam mais visitas dos dignitários da seita Omoto, que costumavam vir em anos anteriores. A rede do Budo Senyokai foi desmantelada, mesmo parecendo que alguns grupos mantinham o treinamento, apesar de estarem afastados do publico. Morihei Ueshiba continuou com seus compromissos como professor em diversas instituições militares e também com suas visitas regulares à área de Osaka aonde vários de seus alunos davam aulas, e aonde ele também tinha dojos afiliados.
Ocorreu outra mudança dramática na vida de Morihei nesta época, e que não teve nada a ver com o Segundo Incidente Omoto. Em Junho de 1936, Sokaku Takeda apareceu no jornal Asahi em Osaka dizendo ser o professor de Morihei, e Sokaku acabou assumindo as aulas no lugar de Ueshiba. Vários eventos confusos cercam este incidente, e eu cobri o que é conhecido em detalhes em meu artigo Remembering Takuma Hisa*. Apesar da perda de tal posto de prestígio ser potencialmente um problema, Morihei ainda tinha uma forte presença em Osaka, e continuou a dar aulas lá com regularidade até seu afastamento para Iwama. Por volta desta época outro golpe contra Morihei foi a partida de vários de seus melhores assistentes. Shigemi Yonekawa se mudou para Manchúria, aonde ajudava Kenji Tomiki. Rinjiro Shirata foi chamado para o serviço militar em 1937. Kaoru Funahashi desapareceu de cena por volta desta época, e pouco se sabe sobre o que lhe aconteceu. Zenzaburo Akazawa também partiu para a Manchúria como assistente do General Toshinari Maeda. Kiyoshi Nakakura e a filha de Morihei terminaram seu casamento no mesmo ano, deixando a questão da sucessão de Morihei no limbo. Mas talvez a maior dificuldade tenha sido o fato de que o Kobukan Dojo e as outras escolas afiliadas estavam perdendo cada vez mais jovens para os esforços de Guerra, deixando poucos alunos nos dojos.

*Nota: Em breve colocaremos também este post a disposição no site do ganseki.

 O jovem Gozo Shioda c. 1935
Gozo Shioda

Entre os principais alunos de Morihei que permaneceram estava Gozo Shioda. Shioda era filho de um rico pediatra e amava as artes marciais. Como ainda era estudante, o jovem Shioda pode continuar o treinamento no Kobukan por um longo tempo, depois que os outros instrutores do Kobukan foram chamados ao serviço militar. Shioda prosseguiu, e se tornou uma figura importante no desenvolvimento do aikido após a Guerra como fundador da escola Yoshinkan de Aikido. O filho de Morihei, Kisshomaru, começou a praticar regularmente em meados de 1930 e frequentemente ajudava nas demonstrações de seu pai com espada. Kisshomaru também passou cerca de um ano estudando na escola de espada Kashima Shinto-ryu quando os instrutores desta escola clássica faziam visitas semanais ao Kobukan Dojo a partir de 1937.

A frágil saúde de Morihei
Uma palavra sobre a saúde frágil de Morihei deve ser dita aqui. Kisshomaru menciona isso na biografia de 1977 sobre seu pai e atribui a condição de Morihei aos efeitos nocivos de uma disputa bizarra de beber água salgada em 1925 da qual Morihei participou quando vivia na comunidade Omoto. Aparentemente, alguém que se denominava um “Praticante de Bramanismo” estava desafiando Onisaburo para uma disputa e Morihei assumiu o lugar dele bebendo grandes quantidades de água salgada.
É claro que é apenas uma especulação que esta combinação de fatores levou Morihei a estar frequentemente doente, mas sua frágil saúde é frequentemente comentada pelos discípulos de Ueshiba de antes da guerra. Seu sobrinho, Yoichiro Inoue, mencionou que frequentemente dava aulas no lugar de Morihei no início do período de Tókio, devido às doenças de seu tio. Gozo Shioda conta como Morihei esteve muito doente com icterícia em 1941 quando foi feita uma demonstração perante a família imperial.
Mas mesmo sem estes testemunhos, seria uma simples questão de dedução de que Morihei estava frequentemente doente, observando-se a constante e às vezes dramática mudança em seu peso que são visíveis nas fotos existentes do fundador.
Devemos lembrar que Morihei viajava constantemente por Tókio e também para a área de Kansai a cada mês. Seus hábitos alimentares e seu sono eram irregulares e isso certamente tinha um efeito negativo em sua saúde. De fato, um olhar cuidadoso sobre suas fotos deste período revelam que Morihei envelheceu rapidamente entre os anos de 1935 a 1940. Pouco antes do Segundo Incidente Omoto, podemos vê-lo em sua melhor forma, com um elegante bigode de estilo Kaiser. As fotos de 1938 e posteriores revelam que ele ficou com os cabelos brancos e envelheceu a olhos vistos. Sem dúvida foi uma combinação de fatores que contribuíram para sua saúde se debilitar.

As associações de direita de Morihei
Tendo antes descrito os eventos do Segundo Incidente Omoto, este é um momento oportuno para trazermos o assunto das extensas associações de direita de Morihei e o significado delas. Este tópico recentemente foi comentado por vários escritores ocidentais. Até recentemente, os historiadores do aikido têm mencionado as diversas associações militares e políticas de Morihei principalmente buscando demonstrar que ele era visto com grande apreço pelas elites do Japão do pré-guerra.
É certo que este é um assunto delicado, pois se dizemos que o fundador do aikido apoiava ativamente as causas militaristas, o aikido como uma arte marcial “espiritual” seria questionado. Por outro lado, toda a subcultura das artes marciais do Japão foi ligada a acontecimentos políticos e militares, desde os primórdios da história conhecida. Assim, em um sentido mais profundo, como poderia Morihei Ueshiba não se envolver com atividades da direita, tendo em vista sua profissão e os tipos de pessoas com que ele se associava diariamente? Toda a questão é muito complexa, assim eu vou tentar oferecer informações relevantes sobre o assunto.

O início dos contatos com a direita
A maioria das associações de Morihei com a direita podem ser vistas desde seu envolvimento com a Religião Omoto, o que começou por volta de 1920. Por exemplo, sua conexão com o tenente Comandante Seikyo Asano, um crente da Omoto e um dos mais antigos alunos de Morihei em Ayabe, seria a base para a criação de uma grande rede de contatos com oficiais da marinha de altas patentes. Depois disso, a partir de meados da década de 20, quando Morihei se estabeleceu em Tókio, suas conexões cresceram até incluir muitos oficiais importantes do exército e da polícia.Nas muitas fotos que ainda existem das décadas de 20 e de 30, é comum se ver oficiais uniformizados junto com Morihei e seus alunos.

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Onisaburo Deguchi, Mitsuru Toyama, e Ryohei Uchida c. 1923

É claro que o mentor de Morihei, Onisaburo Deguchi, também estava envolvido na política e mantinha muitos contatos com pessoas da direita. Entre estes estavam Mitsuru Toyama e Ryohei Uchida, figuras chaves na famosa Sociedade Dragão Negro e em outras organizações da direita. As atividades de Toyama e Uchida envolviam a Manchúria e a Mongólia. Muitos de seus esforços tinham a intenção de minimizar os avanços dos russos a estas regiões, pelos interesses coloniais dos Japoneses sobre o continente. Estas pessoas famosas estavam por trás das agressivas atividades do exército Guandong (Kantogun) que depois levariam a guerra contra a China e a Rússia.
Expedição da Mongólia
Com as atividades de Onisaburo “por trás dos panos” e por seu envolvimento com pessoas como Toyama e Uchida, seria tolice imaginar que sua mal sucedida expedição à Mongólia em 1924 não teria uma dimensão política por trás da meta de fachada de estabelecer uma “utopia religiosa”. Uma pessoa inteligente e politicamente astuta como Onisaburo certamente tinha consciência dos planos secretos dos grupos Japoneses que operavam no continente, e provavelmente até trabalhava juntamente com eles. Não devemos esquecer que Morihei Ueshiba era um dos homens escolhidos para acompanhar Onisaburo em sua viajem secreta para a Mongólia. Certamente Morihei estava “por dentro” destas manobras políticas e militares desde o inicio de sua carreira.
A rede de contatos de Morihei de pessoas da direita posteriormente se ampliou através das associações e atividades de seus alunos. Para mencionar vários exemplos, Yoichiro Inoue, Kenji Tomiki, Gozo Shioda, e Zenzaburo Akazawa tinham muitos contatos, que incluíam pessoas de altas colocações nos meios militares e políticos, alguns dos quais certamente eram também pessoas associadas a Morihei. Isso é apenas um reflexo dos tempos, e dos círculos em que estas pessoas das artes marciais transitavam.
Aulas em instituições militares
De um ponto de vista ocidental, o aspecto mais problemático das atividades de antes da guerra de Morihei são seus vários contratos para dar aulas em instituições militares. Na primeira parte, documentamos seu envolvimento com o Colégio Naval, com a Universidade do Exército, a Escola de Policia Militar, a Escola Toyama, e a Escola de Espionagem Nakano, entre outras. O que vem em mente é em que extensão, se isso ocorreu, as atividades do fundador nestes círculos vão além da instrução de habilidades e estratégias marciais? Certamente Morihei interagiu com o pessoal e os alunos destas instituições e se manteve a par dos eventos. Mas se Morihei estava envolvido de alguma forma com a infindável intriga politica que constantemente desestabilizava a politica Japonesa, aonde estão as evidências?
Existe um curioso episódio que pode ser mencionado a esse respeito que pode sugerir um papel desconhecido de Morihei nos acontecimentos politicos da época. Kisshomaru publicou uma antiga foto, sem data, no Moriheiden em 1977, comemorando uma visita ao Kobukan Dojo de um dignitário estrangeiro, com aparência de Chinês. O visitante é chamado apenas de “Tokuo” e não é dada nenhuma informação sobre o significado desta visita.
Com um pouco de pesquisa descobriu-se o fato de que o nome chinês de Tokuo era Principe Teh Wang (1902-1966), e ele ficou do lado das autoridades Japonesas em Mongólia na década de 30. Teh Wang alimentou certo nível de unidade politica entre os lideres tribais da Mongólia e a declarou uma nação independente chamada Meng Chiang em Dezembro de 1937. Este governo foi apoiado pelos interesses Japoneses no continente e todo o ambiente foi lembrado em Manchukuo, pela fama de Pu-yi, o Ultimo Imperador. Teh Wang reinou em sua capacidade simbólica até 1945.
Assim, o Príncipe Teh Wang visitou o Japão em 1938 e recebeu uma audiência perante o Imperador Hirohito de acordo com seu papel como chefe de estado estrangeiro. Na mesma visita, Teh Wang também fez uma visita cortês ao Kobukan Dojo de Morihei Ueshiba. Ao menos duas fotos deste evento ainda existem, uma das quais mostramos aqui.

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Visita do Príncipe da Mongólia Teh Wang, Almirante Isamu Takeshita, Morihei Ueshiba; ajoelhado atrás de Teh Wang está Gozo Shioda; também presentes estão Aritoshi Murashige e Hatsu Ueshiba

Que significado deve ser dado a esta visita não está claro. Além do Príncipe da Mongólia e de Morihei, um oficial do exército que está presente é o Almirante aposentado Isamu Takeshita. Outras pessoas identificadas na foto são a Sra. Ueshiba, Gozo Shioda, Kenzo Futaki e Aritoshi Murashige. Seria interessante saber mais detalhes das circunstâncias desta visita real, mas ao julgar pela presença de vários jovens usando keikogi, podemos acreditar que Morihei fez uma apresentação para o Imperador.

Indicações sobre a forma de pensar de Morihei
As evidências circunstanciais do envolvimento de Morihei em atividades de direita são um “terreno montanhoso”, mas devemos pausar por um momento para examinarmos as indicações da forma de pensar do fundador neste estágio de sua vida. Neste ponto, é útil um artigo que se diz ser dele, publicado na revista Budo, um informativo de 1932 do Budo Senyokai, que discute o papel do budo na sociedade moderna.
Vamos primeiro considerar estes comentários que colocam Morihei de acordo com a retórica que prevalecia na época, em apoio ao “Modelo Imperial”.
“…o verdadeiro papel das artes marciais Japonesas é se tornarem as principais artes marciais no mundo como parte do continuo processo de criarmos um “modelo imperial” para todo o mundo. O Japão é o líder do mundo, o modelo para o planeta, e bem do mundo é a grandeza do Japão. O Japão é o modelo para o mundo perfeito. Só quando este espírito for completamente compreendido se entenderá o verdadeiro significado das artes marciais Japonesas”.
Este tipo de retórica é muito típico daquele período, mas é um tanto surpreendente vê-la em um informativo da Omoto, considerando-se as freqüentes atitudes anti-governamentais da seita. Mesmo assim, como vimos, Onisaburo tinha nas mãos muitas “cartas” políticas que envolviam facções da direita, portanto não devemos nos surpreender por estas palavras refletirem a política da seita também. O texto foi escrito na verdade por uma pessoa influente da Omoto, chamado Bansho Ashihara, com base nas anotações tiradas de palestras e conversas com Morihei. É possível que ele tenha tomado liberdades e tenha adicionado coisas para “embelezar” o texto. Aparecem outros artigos sob o nome de Morihei em diferentes edições do informativo.
As evidências sugerem que Morihei, na maior parte do tempo, apoiava a politica imperialista do Japão. Mas, ao mesmo tempo, ele abraçava os pontos de vista da Religião Omoto e suas inclinações espirituais naturais fizeram com que ele visse o budo como um caminho para a auto–realização a serviço do kami celestial.
Na verdade, encontramos trechos de outro artigo de Morihei publicado no informativo que capturam a essência do budo de maneira mais espiritual usando termos que antecipam a linguagem usada pelo fundador depois da guerra:
“Após ter atingido certo nível no treinamento do “Caminho da Espada”, você deve sentir as intenções de seu inimigo para atacar antes que a lâmina comece a cortar para baixo. Eu tive a experiência de sentir uma “idéia-bala” de uma polegada, de cor branca, e ouvi seu zunido ao voar m minha direção antes que a verdadeira bala tivesse sido disparada. Mas no verdadeiro budo, apenas prever a intenção do inimigo não é suficiente. O verdadeiro caminho do Kami é equipar seu ser interior com o poder para mover o inimigo de acordo com a sua vontade…”.
Em resumo, meu ponto de vista atual sobre esses assuntos é que o apoio de Morihei ao militarismo Japonês tinha certa ambivalência. É claro que seu alto posicionamento na sociedade dependia do fato de ele ter um papel ativo no apoio do militarismo e das causas políticas, ao menos na aparência. Contrabalançar isto era o profundo desejo de Morihei nos assuntos espirituais e no treinamento ascético. Apesar de haver todos os tipos de manobras políticas a sua volta, nunca vi um documento ou ouvi falar de um episodio sobre o fundador ter algum tipo de papel ativo em causas políticas.
Ele anteviu a derrota do Japão muito antes que isso ficasse aparente. Lembre-se que entre as previsões de Onisaburo no Reikai Monogatari estavam histórias sobre “navios-aves dos céus” e que reinaria a destruição sobre o Japão. Talvez a maior evidência, para a infelicidade de Morihei com os esforços de guerra, seja seu retiro total para Iwama no auge da guerra, em 1942. Certamente este é um assunto a ser reiteradamente observado conforme surjam novas informações sobre o ponto de vista de Morihei.

O Estabelecimento de uma presença de ensino na Manchúria

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Posando na frente do salão Shimbuden Budo da Universidade de Kenkoku Sentados ao centro: Kenji Tomiki e Morihei Ueshiba; de pé, o segundo a partir da esquerda, Hideo Oba; o segundo a partir da direita: Shigenobu Okumura

Nas décadas de 1920 e 1930 os Japoneses desenvolveram uma massiva presença na Manchúria e obtiveram o completo controle político em 1932 quando foi estabelecida a nação Manchukuo. Vimos que Yoichiro Inoue visitou a Manchúria em 1933 e então Kenji Tomiki se mudou para Shinkyo (atualmente Changchung) em 1936 quando começou a ensinar no Daido Gakuin, bem como aos membros do exército Guandong e a agência da família Imperial. Com a abertura da Universidade Kenkoku em 1938, Tomiki se juntou à equipe de professores e dava aulas de judo e aikibudo.
Tomiki convidou Morihei a dar aulas na universidade em 1939. Durante essa estadia, Morihei se encontrou com o famoso lutador de sumo Tenryu—que na época estava aposentado—e que tentou testar a força do velho homem. Tenryu ficou muito impressionado com a maestria de Morihei e recebeu permissão para retornar para Tókio para estudar por tres meses no Kobukan Dojo. Este encontro com Tenryu foi mais um episódio em que Morihei demonstrou suas habilidades marciais impressionantes. Neste caso, seu parceiro era uma pessoa famosa no mundo do sumo por sua força física. Este foi o princípio de uma amizade duradoura entre o fundador e Tenryu, e este se tornou um grande aliado para as organizações Aikikai e para o Yoshinkai de Gozo Shioda após a segunda guerra.

Da esquerda para a direita: Kisshomaru Ueshiba, Zenzaburo Akazaka, Tenryu. na ponta direita: General Makoto Miura, Kobukan Dojo 1939
Da esquerda para a direita: Kisshomaru Ueshiba, Zenzaburo Akazaka, Tenryu.
na ponta direita: General Makoto Miura, Kobukan Dojo 1939

Parece que Morihei fazia visitas anuais à Manchúria durante o verão de 1939 a 1942. Ele se tornou conselheiro de artes marciais para a Universidade Kenkoku e dava seminários e demonstrações com a assistência de Tomiki. Morihei era reconhecido como um dos maiores instrutores de artes marciais pelas delegações Japonesas que visitaram o continente. Isto é confirmado pela posição central, sentada, em diversas fotos de grupos tiradas na Manchúria durante este período. Sua ultima visita foi em 1942, quando ele novamente participou de uma grande demonstração, e diz-se que ele fez uma viagem fora do roteiro para Beijing, que pode ter tido razões políticas, de acordo com a biografia de Morihei escrita por Kisshomaru.
Como informação extra, notamos que um dos alunos de Kenji Tomiki na Universidade Kenkoku era um jovem chamado Shigenobu Okumura. Ele treinou com Tomiki e com Hideo Oba por vários anos na universidade e também visitou o Kobukan Dojo durante suas férias. Okumura foi muito importante para a organização Aikikai depois da guerra e continua ativo como shihan 9o dan.
A Criação do Zaidan Hojin Kobukai
Em 1939, vários dos principais apoiadores de Morihei começaram a criar uma estrutura de corporação sem fins lucrativos para o Kobukan Dojo. Disso resultou a aprovação oficial do Zaidan Hojin Kobukai em 30 de Abril de 1940. Kisshomaru dá o credito a Yoji Tomosue, do Ministério da saúde, que facilitou a aprovação oficial, e um homem de negócios, chamado Shozo Miyazaka, que fez uma contribuição de 20,000 Yens para a nova fundação. O primeiro conselheiro era o Almirante reformado Isamu Takeshita, com o General Katsura Hayashi como vice conselheiro. Entre os membros estavam o Conde Fumimaro Konoe, o Conde Toshitame Maeda, Takuo Godo, Kinya Fujita, Kozaburo Okada, Kenji Tomita, e Kenzo Futaki, bem como outras pessoas conhecidas.
A existência da Fundação Kobukai deu ao dojo uma identidade legal e facilitou o controle das finanças e as tarefas de organização. Esta organização foi desfeita no fim da guerra mas foi reativada como Zaidan Hojin Aikikai, que recebeu a aprovação oficial em 1948.

Sangue novo no Kobukan

Tohei Koichi, c. 1953
Tohei Koichi, c. 1953

Havia alunos possivelmente brilhantes entre os novos alunos que entraram para o Kobukan Dojo a partir de 1940. O mais conhecido deles é Koichi Tohei, que teve um importante papel no desenvolvimento do aikido depois da guerra no Aikikai antes de formar sua própria escola independente em 1974. Tohei era aluno da Universidade Keio ao entrar para o Kobukan Dojo e fez rápidos progressos. Ele treinou por um ano e meio, chegando a ser assistente do fundador em tarefas de aulas externas antes de ser convocado pelo exército em 1942 e enviado para a batalha.
Outra importante figura que teve importância após a guerra foi Kisaburo Osawa, que entrou poucos meses depois de Tohei em 1941. Osawa tinha cerca de 30 anos quando começou, e costumava ser assistente de Minoru Hirai, que era diretor de Assuntos Gerais no Kobukan. Muitos anos depois Osawa foi dojo-cho do Aikikai Hombu Dojo como assistente especial do Segundo Doshu Kisshomaru Ueshiba.
Fizemos uma curta menção a Minoru Hirai (1903-1998). Hirai entrou para o dojo por volta de 1939 e assumiu o posto de diretor de assuntos Gerais em Janeiro de 1942. Ele trabalhou principalmente na área administrativa e teve um papel fundamental na escolha do nome “aikido” como veremos abaixo. Hirai estabeleceu seu próprio dojo depois da guerra e chamou seu sistema de Korindo.

Morihei Ueshiba & Kanshu Sunadomari c. 1960
Morihei Ueshiba & Kanshu
Sunadomari c. 1960

Outro jovem que deve ser mencionado entrou para o dojo em 1942. Ele era Kanshu Sunadomari, vindo de uma família de devotos da Omoto. Morihei tinha conexões com o irmão mais velho de Sunadomari, Kanemoto, desde os tempos de Ayabe na década de 1920. Acredita-se que Kanemoto escreveu a primeira biografia de Morihei Ueshiba, publicada em Fevereiro de 1969, apenas dois meses antes da morte de Morihei. Kanshu começou seu treinamento em 1942 e foi chamado pelo exército em 1943. Como aconteceu com Tohei, o jovem Sunadomari era chamado para assistir Morihei em aulas externas, como na escola de espionagem Nakano, apesar de ser jovem e inexperiente. Kanshu estabeleceu o Manseikan dojo (que atualmente é independente), em 1954 em Kumamoto, Kyushu, e sempre esteve em atividade.

Dai Nippon Butokukai e o “batismo” com o nome de aikido
Existe muita confusão quanto a questão de como o aikido finalmente recebeu este nome. A maioria das pessoas pensa que Morihei decidiu sozinho o nome “aikido” e que o termo resume sua visão espiritual do budo como forma de auto–desenvolvimento e busca da paz mundial. Apesar do risco de parecer iconoclasta, devemos esclarecer que a idéia da palavra “aikido” realmente surgiu como resultado de uma decisão burocrática tomada em 1942 dentro do Dai Nippon Butokukai, uma organização “guarda-chuva” que tinha a tarefa de regulamentar as artes marciais. A palavra apenas é a contração ou simplificação do termo “aiki budo” que era usado para descrever a arte de Morihei. Como o Butokukai ficou sob o controle do governo, havia uma tentativa de unificar a nomenclatura com nomes como judo, kendo, karatedo, etc. “Aiki budo” não se enquadrava totalmente neste padrão e a forma curta “aikido” foi sugerida e aceita como um termo genérico para agrupar o jujutsu ryuha histórico.

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Minoru Hirai c. 1946

A pessoa que representava o Kobukan Dojo nesta época era Minoru Hirai. Ele deu uma descrição deste processo com as seguintes palavras:
Foi muito difícil criar uma nova seção no Butokukai naquele tempo. O Sr. Hisatomi propôs a criação de uma nova seção, incluindo artes para lutes reais baseadas nas técnicas do jujutsu. As técnicas de yawara (uma forma alternativa de jujutsu) são compreensíveis e também incluem o uso do ken e do jo….
Houve uma discussão dentro do Butokukai sobre a escolha do nome para esta nova seção. Foi discutido muitas vezes nas reuniões do comitê de Diretores, e particularmente nas seções de judo e kendo. Também tivemos que considerar todas as diversas artes incluídas quando tentamos achar um nome que incluísse tudo. Decidimos selecionar um nome inofensivo para evitarmos atritos entre as diferentes artes marciais.
O Sr. Hisatomi rejeitou esta proposta e explicou que “aikido” seria um nome melhor que “aiki budo” para esta divisão, porque daria melhor a idéia de “michi” ou caminho. Ele propôs que o nome “aikido” fosse usado como termo para designar um budo abrangente e eu concordei com ele. Em outras palavras, o termo “aikido” seria um termo amplo que cobriria também outras coisas. ….
O termo chave “aiki” dentro deste contexto, naturalmente, se origina do “Daito-ryu aikijujutsu,” nome criado em 1922 em Ayabe, quando Sokaku Takeda passou seis meses na casa de Morihei dando aula a seguidores da Omoto. As várias explicações sobre o significado de “aikido” que falam da união ou encontro do ki com o do oponente e que possuem idéias filosóficas são inovações de depois da Guerra.

A evolução técnica de Morihei antes da guerra
Vamos dar uma olhada mais atenta nas técnicas da era do Kobukan Dojo. Começando no final da década de 1920 até meados da década de 1930, Morihei periodicamente esteve em contato com Sokaku Takeda. Sokaku ia a Tókio em muitas ocasiões e dava seminários e recebia pagamentos de Morihei. Os primeiros alunos do fundador, como Tomiki, Takeshita, Kamada, e outros se referiam à arte que estavam aprendendo com Morihei como “Daito-ryu”. Morihei ainda fazia parte do mundo do Daito-ryu nesta época.
Vimos como a abertura do Kobukan Dojo em 1931 foi imediatamente precedida de uma visita de Sokaku. Como agora ele tinha seu próprio dojo, uma programação constante de aulas e o forte apoio da Omoto e de Onisaburo Deguchi, Morihei começou a evoluir se afastando dos métodos tradicionais do Daito-ryu. No inicio da década de 1930 o termo “aiki budo” passou a ser usado e esta mudança de nomes certamente era um sinal de seu afastamento do Daito-ryu. Felizmente, um tesouro de material que sobreviveu deste período nos permite traçar o desenvolvimento técnico de Morihei.

Budo Renshu
Um manual de treinamento incomum foi publicado pelo Kobukan Dojo em 1933 com a autoria atribuída a Morihei. Este manual consiste de cerca de 166 técnicas apresentadas sob a forma de desenhos. Cada técnica inclui em media duas ou tres ilustrações. As ilustrações foram feitas por Takako Kunigoshi, um aluno entusiástico do Kobukan e aluno de uma escola de arte. Kunigoshi adorava desenhar e quando os membros do dojo viram seu talento, ela foi encorajada a desenhar de forma sistemáticas posições principais de cada técnica como uma forma de preservar a arte de Morihei. Este manual foi distribuído para certos alunos adiantados e colaboradores de Morihei e aparentemente era usado para complementar os rolos Hiden mokuroku modificados que Morihei distribuía nesta época como forma de graduação.

Paginas do Budo Renshu, publicado em 1933
Paginas do Budo Renshu, publicado em 1933

As técnicas contidas no Budo Renshu correspondem em parte às técnicas de Daito-ryu aikijujutsu dos Hiden mokuroku, o primeiro nível do currículo do Daito-ryu. “Moritaka Ueshiba” está listado como autor do manual, mas Kenji Tomiki declarou em uma entrevista de 1978 para a Aiki News que na verdade ele editou o texto do livro. Esta afirmação é apoiada pela existência de um cartão do início de 1930 que aponta Tomiki como “Jonin Kanji” (lit., “Secretario Permanente”) do Kobukan Dojo. De qualquer forma, está claro que o atual texto não foi escrito pelo fundador.
Uma versão bilíngüe do Budo Renshu baseada em uma tradução por Larry e Seiko Bieri foi publicada em 1978. Isto incluiu reproduções dos desenhos de Kunigoshi e o texto original Japonês. Desde então foi reimpresso.

Fotos do Noma dojo
Em 1935, um singular desenvolvimento ocorreu, o que nos traz fotos claras das técnicas de Morihei neste estagio de sua careira. Um famoso kendoka chamado Hisashi Noma—amigo do filho adotivo de Morihei Kiyoshi Nakakura— usou sua câmera Leica para tirar mais de 1,000 fotos de Morihei demonstrando técnicas. Hisashi, filho do famoso fundador da Kodansha, Seiji Noma, tinha vencido o troféu de kendo no torneio Imperial de Artes marciais (Tenranjiai) no ano anterior e tinha recentemente se tornado aluno de Ueshiba.

Fotos tiradas no Noma Dojo em 1935. Uke: Shigemi Yonekawa
Fotos tiradas no Noma Dojo em 1935. Uke: Shigemi Yonekawa

As fotos mostram Morihei fazendo centenas de técnicas de aikijujutsu, das básicas às avançadas. O uke de Morihei nestas fotos é Shigemi Yonekawa, um de seus favoritos uchideshi. As fotos de Noma estão repletas de chaves complexas e imobilizações e possuem muitas das características do Daito-ryu aikijujutsu.
As pessoas que descreveram o estudo de Morihei do Daito-ryu aikijujutsu como breve e superficial deveriam explicar como ele poderia ter um conhecimento tão profundo das técnicas do Daito-ryu. O controle, o posicionamento, o perfeito equilíbrio, atenção a detalhes, e muitas outras sutilezas reveladas nas fotos do Noma Dojo refletem uma profunda maestria do Daito-ryu.

O filme do jornal Asahi
De todos os documentos que restaram do período anterior à Guerra, talvez o mais importante seja o filme de 1935 de Morihei feito no jornal de Asahi em Osaka. Este filme foi feito no formato 16mm e tem cerca de 14 minutos. Morihei demonstra muitos suwari-waza, hanza handachi (hanmi handachi), tachi-waza, múltiplos ataques, e técnicas de espada e juken. Seus parceiros são Shigemi Yonekawa e Tsutomu Yukawa.Também há uma curta aparição de Takuma Hisa e de Rinjiro Shirata.
A maioria das técnicas preservadas neste filme são de nível avançado e são feitas em estilo fluido, aumentando de ritmo até um espetacular ataque múltiplo. Ficamos impressionados pela modernidade de muitas das técnicas e pelo estilo “ki no nagare” da execução. O impacto visual e sonoro deste filme é tremendo é uma janela para as maravilhosas técnicas de Morihei naquele período. A influencia das técnicas de Daito-ryu neste filme é menos obvia se comparada às técnicas encontradas no Budo Renshu e nas fotos do Noma Dojo, sendo que estas foram feitas quase ao mesmo tempo em que o filme de Asahi.

Experimentos com armas
Em 1937, Morihei trouxe instrutores da escola Kashima Shinto-ryu para darem aulas no Kobukan Dojo. Ele chegou se inscrever na escola Kashima e seu nome se encontra no registro do ryuha junto com seu juramento de sangue (keppan). Aparentemente em meados dos anos 30 Morihei estava fazendo experimentos com a espada e considerava o estudo desta arma como um ponto central para maestria do taijutsu.

Ultima parte do keppan com os nomes de Morihei Ueshiba e de Zenzaburo Akazawa
Ultima parte do keppan com os nomes de
Morihei Ueshiba e de Zenzaburo Akazawa

Apesar de ser de conhecimento geral, deve ser dito que Morihei recebeu um diploma (menkyo) do Yagyu Shinkage-ryu de Sokaku Takeda em Ayabe em 1922. Qual o tipo de treinamento que ele recebeu sobre o uso da espada é desconhecido. Posteriormente, a partir do final da década de 1920, Morihei entrou em contato com pessoas como Kosaburo Gejo, do Yagyu Shinkage-ryu e amigo do Almirante Takeshita, que visitava com freqüência as sessões de treinamento de Ueshiba. Morihei também teve uma duradoura amizade com Hakudo Nakayama, famoso no mundo do kendo, e assim teve contato com espadachins de alto nível.
Posteriormente Kiyoshi Nakakura foi adotado pela família de Ueshiba, e Morihei autorizou a construção de um clube de kendo dentro do Kobukan Dojo. Poucos dos uchideshi, como Shirata, Hashimoto, e Funahashi, também tiveram aulas de kendo com Nakakura, assim o treinamento de espada era uma regular ocorrência no dojo.
No filme de 1935 do jornal de Asahi há uma demonstração bastante espontânea de espada, como um kata, que sugere que ele estava no processo de experimentação. Também no manual técnico chamado Budo, de 1938, há várias técnicas de espadas em par e técnicas de desarmamento de espadas. Assim, as bases para o estudo intensivo de Morihei do aiki ken e do jo em Iwama durante e depois da Guerra foram criadas durante o período Kobukan.

Budo
Outro importante legado técnico do período anterior à Guerra é o manual de treinamento chamado simplesmente de Budo, publicado em 1938, novamente sob o nome de “Morihei Ueshiba”. Este livro foi compilado pelo Príncipe Kaya, que tinha se tornado aluno de Morihei. Kayanomiya, como ele era conhecido, era oficial do exército e depois se tornou Superintendente da escola do exército Toyama, de 1942 a 1943.
Budo contém 50 paginas e é dividido em duas partes: um ensaio sobre a “Essência das Técnicas”, e uma segunda parte que apresenta 50 técnicas demonstradas por Morihei através de fotografias. O material inclui exercícios preparatórios, técnicas básicas, técnicas de desarmamento de facas e espadas, formas de espadas contra espadas, técnicas com baionetas falsas, e exercícios finais. Budo é o único trabalho escrito em que o fundador aparece em pessoa demonstrando técnicas.

Budo, publicado em 1938
Budo, publicado em 1938

De um ponto de vista técnico, Budo oferece numerosos pontos de vista sobre as tecnicas de Morihei de antes da guerra. Primeiro, ele dá um panorama das tecnicas que Morihei considerava básicas e a forma como eram executadas em meados dos anos 30. As técnicas mostradas representam uma transição entre o Daito-ryu aikijujutsu que Ueshiba aprendeu de Sokaku Takeda e o moderno aikido. Diversas técnicas básicas são muito semelhantes às que Morihei ensinava em Iwama depois da Guerra e que ainda são praticadas no Ibaragi Dojo de Morihiro Saito. Pessoas que viram o manual Budo se surpreendem com o grande numero de tecnicas feitas com armas. Cerca de um terço do manual apresenta técnicas executadas com o uso de facas, espadas, lanças e baioneta. Como vimos, Morihei sempre foi fascinado com a pratica com armas—particularmente o ken e o jo—e o uso destas armas formaram uma parte significante de seu treinamento pessoal.
Uma edição em inglês de Budo traduzida por John Stevens foi publicada pela Kodansha em 1991. Inexplicavelmente, não surgiram versões em Japonês e assim os aikidokas Japoneses desconhecem em sua maioria a existência deste importante documento histórico.

O sistema de graduação de Morihei anterior à guerra
Morihei tratou a questão de graduação de formas diferentes em sua longa carreira como professor. No início, seus certificados de graduação seguiam o modelo do Daito-ryu aikijujutsu. Ele gradualmente se afastou desta prática antes de finalmente adotar o moderno sistema de graduação de dan, por volta de 1940.
As amostras mais antigas de certificados dados por Morihei são os dois makimono de Minoru Mochizuki. Ambos são datados de Junho de 1932. o titulo do primeiro é “Daito-ryu Aiki Bujutsu” e seu conteúdo é idêntico ao do “Daito-ryu Aiki Jujutsu Hiden Mokuroku” dados por Sokaku Takeda como primeiro nível de proficiência do Daito-ryu. O segundo é chamado de “Hiden Ogi”, o makimono dado ao próximo nível mais alto da tradição Daito-ryu. Ambos os makimono trazem a assinatura de “Moritaka Ueshiba, aluno de Sokaku Takeda” e um selo em que se lê “Aikijujutsu.”

Parte final do certificado Hiden Mokuroku dado a Minoru Mochizuki por Morihei Ueshiba
Parte final do certificado Hiden Mokuroku dado a Minoru Mochizuki por Morihei Ueshiba

Como Mochizuki, um artista marcial extremamente talentoso, tinha treinado com Morihei por poucos meses a partir do final de 1930, estes certificados eram certamente uma expressão da simpatia que o fundador tinha pelo jovem, e um gesto de apoio no princípio da carreira de Mochizuki como professor, em um dojo independente em Shizuoka.
Provavelmente Morihei começou a dar este tipo de makimono do tipo do Daito-ryu no final dos anos 20 após se estabelecer em Tókio. Começando com pessoas como o Almirante Isamu Takeshita, Kenji Tomiki, e depois seus alunos principais e apoiadores, Morihei distribuiu um número desconhecido de “hiden mokuroku” provavelmente até meados dos anos 1930. ele gradualmente mudou as referencias no final destes documentos eliminando a menção ao “Daito-ryu aikijujutsu” e usando formulas como “Aioi-ryu Aikijujutsu” para se referir à sua arte. É difícil escrever em termos detalhados sobre este processo pois, pelo que eu sei, nenhum destes makimono estão accessíveis ao publico. O autor só viu um destes diplomas que parecem do Daito-ryu e um fragmento de um segundo. Vários alunos de Morihei de antes da guerra mencionaram estes diplomas, portanto sua prevalência não é questionável.
Alguns destes alunos de antes da guerra, como Akazawa, Kunigoshi, Bansen Tanaka, e outros se lembram de Morihei oferecendo seu Budo Renshu de 1933 e o livro Budo de 1938 como comprovantes de graduação também. O primeiro continha ilustrações tecnicas sob a forma de ilustrações, enquanto que o outro incorporou fotografias. Talvez, para algumas pessoas, estes livros publicados de forma privada podem ser considerados o equivalente moderno dos antigos e clássicos rolos de transmissão.
em 1940, Morihei começou a dar certificados de dan através do recém criado Zaidan Hojin Kobukai. Existem fotos de ao menos dois destes documentos de antes da guerra, um de Kenji Tomiki, de 8º dan, e um certificado de 6º dan para Shigemi Yonekawa que reproduzimos abaixo.

certificado de 6º dan dado a Shigemi Yonekawa datado de 3 de Novembro de 1940
certificado de 6º dan dado a Shigemi Yonekawa
datado de 3 de Novembro de 1940

tendo em vista o constante êxodo dos homens para o serviço militar que deixou poucos alunos no Kobukan Dojo, é improvável que muitos destes certificados de dan de antes da guerra tenham sido distribuídos.

Final da era do Kobukan Dojo: afastamento para Iwama

A era do Kobukan Dojo realmente termina com o afastamento de Morihei para Iwama, na Prefeitura de Ibaragi no final de 1942. esta foi uma época difícil, não apenas para o fundador, mas para todo o Japão, pois a maioria das cidades estava sofrendo ataques aéreos freqüentes que tornava o simples ato de se viver uma vida normal uma impossibilidade.
Morihei estivera preparando Iwama como um retiro no campo e ficava lá sempre que sua agenda permitia. Sua saúde tinha novamente piorado, por causa do acumulo do stress das pressões de sua vida pessoal e devido às condições relativas à guerra, qualquer que seja a combinação de fatores que causou a fragilidade de suas condições físicas e psicológicas, sua saúde precária o forçou a se retirar para Iwama no final de 1942. ele indicou seu filho Kisshomaru, que ainda era estudante na Universidade de Waseda, para assumir a administração do Kobukan Dojo, assistido por Minoru Hirai.
Morihei raramente deixava Iwama nos 13 anos seguintes, e pôde concentrar sua energia em curar seu corpo, em atividades agrícolas, meditação e treinamento. Ele tinha bastante tempo para si pela primeira vez em muitos anos, para explorar sua arte e sua natureza espiritual. Apesar da mudança de Morihei para Iwama ter assinalado o final da era do Kobukan Dojo, isso abriu o caminho para o desenvolvimento da forma moderna de aikido que difundiu para o mundo a arte marcial espiritual do Japão.